terça-feira, 30 de outubro de 2012

Nada de mais.

Ainda acerca do post anterior gostava de fazer alguns esclarecimentos. Na verdade, em Portugal assistiu-se a uma transição de um extremo para o outro. Passo a explicar: anteriormente, para se conseguir acesso a uma especialidade tinha que se ter alguns anos de experiência profissional com algumas competências ao nível da chefia e da formação. Ou seja, tínhamos nos cursos colegas já antigos que faziam essa formação numa perspectiva de atingir uma posição de chefia nos hospitais. E isso pervertia o objectivo de se ser Especialista que é, na minha opinião, um profissional que aprofunda a sua formação num determinado domínio para depois contribuir com as suas novas competências na prestação de cuidados. Na verdade os Especialistas tornavam-se Chefes e perdia-se todo o sentido de de formarem numa área específica dos cuidados uma vez que eles não prestavam cuidados. Actualmente o acesso a pós-graduações, mestrados e doutoramentos vulgarizou-se. Qualquer pessoa que possa pagar pode ser "doutor" numa determinada área. O problema é que temos agora "mestres" e "doutores" aos montes que, na prática, fazem exactamente a mesmíssima coisa que um Enfermeiro que tenha a formação de base. Passou-se dos Especialistas-Chefes para os Especialistas-mas-afinal-não. É a "formação a metro", a "construção de currículo académico" mas com um objectivo prático nulo. E parecendo que não, esta vulgarização de doutores e mestres nas fileiras de mão-de-obra indistinta que são os Enfermeiros de hoje em Portugal só prejudica a classe uma vez que retira valor às formações e às especializações que, diga-se, não são devidamente reconhecidas por ninguém, a começar pelos próprios enfermeiros.
Foi esta falta de reconhecimento que me fez nunca investir na minha formação, a um nível formal, em Portugal. Essa história de investir em formação para "valorização pessoal" não me convence. Sendo talvez muito frio, eu não vivo para trabalhar mas trabalho para viver: investir o meu tempo e o meu dinheiro numa formação que sei à partida que não me vai dar nada em retorno profissional parece-me muito francamente, estúpido. Se é para as minha novas competências adquiridas à custa do meu esforço não serem reconhecidas, então prefiro pegar nos livros e artigos e estudá-los de uma forma informal. Valorizo-me pessoalmente na mesma mas o investimento é muito menor.
Já aqui a formação profissional democratizou-se, o que é completamente diferente de "vulgarizou-se". Ou seja, os Especialistas trabalham na sua área de formação lado-a-lado com os outros colegas, com doentes atribuídos. Ser especialista não é nada do outro mundo, é apenas um colega cuja formação é mais aprofundada. No meu serviço o objectivo é que cerca de 30% da equipa seja especializada e são esses 30% que serão a base de funcionamento da equipa. O especialista é alguém de referência na equipa. Quer do ponto de vista informal, quando os colegas mais novos ou não formado lhe colocam dúvidas e questões, quer do ponto de vista formal quando assume funções de coordenação da equipa num determinado turno ou quando é responsável pela formação do resto da equipa num determinado tema. Para se ser Chefe é preciso antes ser especialista mas só isso não chega. Depois de se ser especialista é preciso anos de trabalho antes de se poder sequer pensar em concorrer para chefe.
Por isto disse no texto anterior que esta formação abre muitas portas porque a Especialidade não é um fim em si mesmo, é apenas o primeiro passo para um novo nível na minha carreira, mas um nível onde ainda vou ter de provar a minha competência. Mas não me assusto porque para mim, quanto maior o desafio, maior a motivação!

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Boas notícias.

Porque a vida é como um rio rápido, que não nos deixa ficar para trás, naquele momento, naquele último momento que gostaríamos de congelar para sempre, é tempo de partilhar as coisas boas da vida.
Isto é realmente muito estranho. Se em Portugal uma pós-graduação em Enfermagem (ou no que quer que seja, assumo eu) custa os olhos da cara e não serve para rigorosamente nada a não ser para enriquecimento pessoal e, ainda assim há montes de malta a apostar nisso, isso por aqui é completamente ao contrário. Passo a explicar: como a formação pós-graduada está bem enraízada e é incentivada pelas instituições e há muita escolha, a malta não tem muita pressa em meter-se nisso. O discurso "Ah e tal, tenho tempo e não tenho a certeza se é isso que quero. Logo vejo." Tudo a ver portanto com o exemplo português. Mas por mim tudo bem...
No hospital onde trabalho oferecem-se (repito: oferecem-se, assim gratuitamente e tudo) várias formações: Urgência, Cuidados Intensivos, Bloco Operatório e Anestesia. Todas com a duração de 2 anos e, no final de todas o Enfermeiro que conclua qualquer uma delas passa a ser Especialista no domínio em que se formou e passa também a receber como tal. Portanto o esquema é este: a malta volta para a escola durante dois anos, o tempo de formação conta como tempo de trabalho (as folguinhas estão garantidas), a formação é inteiramente paga pelo hospital e ainda recebemos o nosso ordenado a 100% e, no fim disto tudo ainda nos aumentam o ordenado. MAS QUAL É A DÚVIDA?? "Ah e tal, não me apetece muito voltar a estudar e perder dois anos...". Perder dois anos?!? Esta maltinha é parva.
Mas bem, graças a este tipo de postura (que diminui em muito as candidaturas para as vagas que existem) este que se assina concorreu e foi aceite na Formação Pós-Graduada em Cuidados de Urgência. O que quer dizer que este que se assina será Enfermeiro Especializado em Cuidados de Urgência daqui a dois anos e será pago com base nas suas novas competências! É porreiro não acham? E para além destas vantagens mais imediatas há todo um leque de portas que se abrem e tudo um novo leque de caminhos profissionais que se coloca. Estou muito entusiasmado e motivado.
Por outro lado, tenho cá para mim que esta formação será uma boa fonte de histórias para contar...
Começo em Janeiro, desejem-me sorte!

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Vazios vários.

Quando me perguntam como estou não sei o que responder. Não estou bem, não posso estar mas também não estou destroçado de dor e mágoa. Aliás, confesso que me sinto um pouco culpado por não estar completamente dilacerado pela dor. Se chorei? Compulsivamente. Mas só em alguns momentos bem precisos: quando tomei consciência que tínhamos perdido a guerra, quando expliquei isso mesmo ao meu pai e quando tive de me despedir da minha mãe. Depois só senti o vazio. E pela primeira vez desde que me lembro de saber escrever que me sinto vazio de palavras, e que palavras como vazio, perda, dor e saudade ganham toda uma nova dimensão.
Contudo tenho em mim a certeza que a minha mãe vive ainda através das minhas memórias, das memórias colectivas da nossa família e da energia que encontro em todos os seus sorrisos em todas as suas fotos e dentro da sua casa e das coisas que lhe eram queridas. Frustra-me a sua falta mas sigo em frente como sei que seria o seu desejo.