domingo, 25 de março de 2012

O Depois.

A Carla Isabel coloca, e muito bem, a seguinte questão na sequência deste texto: "pois..esse acabou menos bem...olha uma pergunta:e como é o vosso depois???depois de perceberem que acabou?" A resposta mais simples, a mais evidente é a seguinte: fácil. Tiram-se os tubos e os catéteres, limpa-se o defunto, preenchem-se meia-dúzia de papéis e siga para a morgue. Mas eu não gosto de descrições simples...
Para mim (não sei como se passa para os outros) o depois é sobretudo tristeza. Não a tristeza obliterante, incapacitante da perda de alguém querido mas mais uma tristeza observada. Observada no corpo. E não consigo deixar de me perguntar e de me admirar com o contraste Vida / Morte. Como é possível que a simples paragem dos sistemas corporais seja tão evidente, tão marcante. 
O que me enche de tristeza é, primeiro que tudo o baço dos olhos mortos quando ainda pouco antes havia brilho, havia vida. O que se perdeu? Não pode ter sido só o facto que o sangue parou de circular. O contraste do vermelho (precisamente) vivo da língua com aquele magenta mortiço que vem depois. As pontas dos dedos cinzentas. A boca aberta como se presa num grito que nunca chegou a sair. O que foi que se perdeu? Não pode ter sido só sangue e oxigénio, sinapses e estímulos nervosos. Não.
Todas as mortes a que assisto me fazem pensar nisto. Não deixo nunca de parar um momento a olhar para a pessoa que se foi. Por incrível que pareça, é a contemplar a Morte que tento perceber o que é, na verdade, a Vida.

5 comentários:

Diana disse...

Que texto tão simples e a retratar tão bem a dualidade vida/morte!

Sandra disse...

Há pedaços do teu dia, da tua (dura) profissão que me deixam sempre impressionada. É inevitável ocorrer-me o pensamento de como seria incapaz de lidar com a pressão, a vida, a morte ali ao segundo e tão perto. Corajoso não só pela profissão que orgulhosamente (nota-se bem!)escolheste como também (ainda mais)pela saída de Portugal procurando um futuro mais desafogado. Um banho de realidade que acaba por ser uma "lufada de ar fresco" na blogosfera...

Naná disse...

Por isso mesmo que acabaste de descrever nunca seria capaz de ser enfermeira ou médica...

Fanatico Moderado disse...

Simples, bem escrito e completamente correcto. Se todos na nossa profissão conseguissem encarar a morte desta maneira, seríamos todos muito melhores profissionais...

Carla Santos Alves disse...

Obrigada pela resposta!

Nunca, ou muito dificilmente eu teria vocação para ser enfermeira ou medica!Jamais!
Não é que me atrapalhe o sangue...é mais o facto de perceber que alguém me podia morrer nos braços, caraças, so de pensar arrepio-me.
E pensar se morrer doi. Tudo isso me perturba...fica-se sem ar? ficam aflitos? Ou é tranquilo? Ou é sereno? Isso aflige-me! Aquele momento, aquele desligar do corpo...acredito que a alma abandona aquele corpo ...
O cheiro do hospital...enfim. Para mim é memso complicado, até porque eu sou um bocado medrosa com as doenças e essas coisas...eh pá! Eu costumo dizer que sou uma grand mulher, modestia à parte, mas quando toca à saude...
E talvez por ser assim ainda dou mais valor à vossa profissão.
E se acho que, perante uma situação de morte, devam ter esses procedimentos de tirar tubos e tudo o mais...tb deve ser dificil da a noticia à familia...(que horror) mas na realidade vocês têm que continuar...eu abro um processo e fecho. Mas são papeis...vocês lidam com vidas...e quando acabou...deve ser tramado...e depois há umas que devem custar mais que outras...certo?
E uma vez mais bem haja.

Obrigada pela resposta!