quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

(Grandes) Momentos que nos fazem acreditar no que fazemos.

Lá no hospital, para além das reanimações que chegam de fora, também somos nós que temos que responder às reanimações que acontecem nos diversos serviços do hospital. Cada dia há um enfermeiro e um médico des urgências que são portadores do bip de reanimação interna e, se algo acontece somos chamados a intervir. Hoje aconteceu.
O telefone toca para uma reanimação no serviço de medicina no 17° andar. Pego na minha mala de emergência (porque tanto podemos ir a um serviço de internamentos como ao restaurante!) e subo acompanhado da médica de escala nesse dia, por sinal, uma jovem assistente super ansiosa por não saber o que fazer. Siga, quando lá chegarmos logo se vê, digo-lhe. Chegamos, três médicos e três enfermeiros do serviço de volta da senhora (velhota, 86 anos) com ar de ter a cena controlada mas com aquele olhar "tirem-me daqui". Por cortesia pergunto se posso ajudar e ponho-me à disposição pois em casa alheia não te armes aos cágados, um lema para a vida. Ok, pedem-me para ver se consigo canalizar uma veia com um catéter decente pois os que eles colocaram são demasiado pequenos. Entretanto chega o médico dos Cuidados Intensivos (que completa a equipa de reanimação interna) e começa a dar ordens, quero sangue, preparem os soros, preparem os medicamentos para entubar, chamem os anestesistas. Foi o caos. Os meus colegas do serviço (os tais 3 que já lá estavam) começam a correr de um lado para o outro sem que nenhum fizesses as coisas completamente e chamam ainda mais pessoas para ajudar. De repente tinha aí uns seis ou sete a ocupar espaço e a gastar oxigénio mais a produzir muito pouco. Casa alheia ou não, era a minha reanimação... 
Dirigi-me a uma das minhas colegas, qual é o teu nome? Mélanie. OK, eu sou o Miguel, ouve: a partir de agora a tua única função é preparar os medicamentos que o médico pedir OK? OK. Yann, tu vais tratar de tudo o que é soros: sempre que um saco acabar quero outro a ser pendurado. Certo. Anna, a tua única função é ventilar a doente, mais nada ok? OK. O resto do pessoal que não tem nada para fazer: pirem-se! A partir daqui, sempre a rolar! Doente sedada e intubada, partimos para os cuidados intensivos.
Na volta, a médica novinha (que acabou por ficar num canto) que me acompanhava estava de queixo caído, fónix, foi impressionante como lideraste a equipa sem sequer os conheceres! E sem nunca perderes o que se estava a passar com a doente (acho que se apaixonou a miúda)! Mas a pérola do meu dia foi quando apanhámos o elevador para regressar ao nosso serviço encontrarmos um dos chefes dos cuidados intensivos que tinha estado lá a observar a cena e que me diz simplesmente: trabalho fantástico que fizeste ali dentro. E faz-me um high five!

domingo, 26 de janeiro de 2014

Vergonha.

O miudo de quem falei um ou dois textos atrás, o que morreu vitima de agressão, lembram-se? A história tem tanto de simples como de dramática: o miudo, 18 anos mal acabados, regressava a casa depois de um dia na escola de cozinheiros quando foi agredido por dois outros putos de 15 e 16 anos (!) pela simples razão que o casaco que ele usava nesse dia era de uma marca associada aos neo-nazis. E assim, do nada, um puto de 15 anos ,instigado por um segundo de 16, agride um outro de 18 com um murro. Esse murro que acredito não tinha intenção de matar, é causador de um traumatismo craneano com paragem respiratória e consequente sofrimento cerebral e, por fim, a morte. 
Quanto à história das praxes, nunca me deixei praxar, tenho demasiado ego e amor-próprio para embarcar nisso mas percebo as fragilidades e inseguranças de quem se submete a isso. Pessoalmente nunca percebi o que andar a correr nu no Jardim da Estrela numa sexta à noite tem a ver com integração académica mas desde logo vi o gosto pelo poder e, sobretudo pela humilhação que muitos "praxadores" demonstravam com indesfarçável brilho nos olhos. Como já decerto calcularam vou falar do caso dos putos que morreram no Meco. 
Revejo-me no sentimento de revolta, quase nojo que se sente no texto que referi acima. Então um anormal qualquer, carreirista da universidade com certeza, um daqueles cujo objectivo deve ser chegar a Ministro sem acabar qualquer formação académica (objectivo legítimo pois acabo de descrever boa parte dos nossos políticos), está envolvido directa ou indirectamente, em maior ou menor grau no desaparecimento de seis pessoas, SEIS! e esconde-se atrás de "amnésia selectiva"? Mas não é a sua atitude pequenina, cobarde, de rato de porão que me enoja, a sua atitude enquanto "dux" (seja lá isso o que for) não deixa dúvidas quanto ao seu valor enquanto Homem. Não, o que mete nojo, o que envergonha, é a atitude conivente de todos os que estão ligados à Lusófona. Todos, os alunos que provavelmente sabem ou suspeitam o que se passou, os directores que protegem o único sobrevivente de uma tragédia sem precedentes na comunidade universitária e os responsáveis das leis em Portugal que não tem colhões para dar um murro na mesa e levar esse "menino" a contar o que raio se passou naquela noite. Isto, para um Português que vê o país de fora é vergonhoso. Tenho vergonha de meu país no que a este assunto diz respeito.
O paralelismo entre estas duas história, o puto que morreu por ter sido agredido gratuitamente e o dos putos que se afogaram no Meco é este: tratam-se de duas tragédias que acontecem por razões estúpidas e mesquinhas, acredito que em nenhum dos casos houve intenção de matar. Agora a diferença é que, no dia seguinte ao puto ter sido agredido, ainda antes de ser comunicada publlicamente a sua morte, a Polícia Suíça já tinha prendido preventivamente os dois jovens (saliento de 15 e 16 anos) e dois dias depois esses dois meninos foram ouvidos por um Juiz de Menores que os constituiu arguidos e os colocou em prisão preventiva numa prisão para menores (sim, isso existe aqui).    

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Não há cá cantigas!

Esclareçamos já uma coisa: para mim a música é um assunto muito sério. Isso de "gostar de tudo o que passa na rádio" é coisa que me encanita. Isso e "ah, adoro esta música mas não sei quem canta". Pois eu, se gosto, se mexe comigo, se me atrai, se me faz abanar o corpinho vou procurar quem canta, quem escreveu, quando e onde. Gosto de saber o que diz o artista, o autor, conhecer as letras e saber em que contexto em que a música foi escrita, o ano, o enquadramento social, em que momento da vida do autor. Gosto de ouvir a música varias vezes e descobrir as suas variadas camadas: a letra e os riffs de guitarra primeiro e depois dar mais atenção á bateria e ao baixo, escutar com atenção aquela teclas bem lá ao fundo e sentir tudo isso cá dentro: a guitarra a enfiar-se na pele, a voz a entrar pelos olhos dentro e o baixo mais a bateria (oh, a bateria!) bem nas visceras! Oiço e tento compreender os Mestres, os clássicos: The Beatles cuja obra é tão mais vasta e interessante que simplesmente o "Yesterday", Led Zeppelin que são tão mais que "Stairway to Heaven", The Ramones, tão técnicamente básicos mas simplesmente geniais, os Queen, que praticamente criaram o pop-rock. Toda esta gente escreveu a história, a nossa história, o que ouvimos hoje aparece por causa destes senhores! Mais recentemente os Nirvana que mudaram a indústria músical nos anos 90, os Pixies pioneiros do indie-rock, os The Cure com a sua melancolia romântica e até os Guns n'Roses com um primeiro album fabuloso. Por isso não deixo de sentir pena quando olho para o vazio que se vende hoje, artistas todos iguais, mensagens sem conteúdo, sexualização gratuita mas inócua, o endeusamento dos cretinos. Enfim... 
Lá em casa a educação musical é uma prioridade, os meus filhos ouvem os clássicos e (o pouco) que se faz de genuíno hoje em dia. Mostro-lhes quem são as pessoas por detrás dos instrumentos e tento que eles sintam a música como eu a sinto. Se eles vão crescer e ouvir a mesma música que eu? Talvez não mas se a sentirem, a música, como eu a sinto já ficarei feliz! 

 PS: era para aqui falar dos 3 grupos que mais abomino no panorama musical actual mas tratam-se de bandas que enchem estádios por onde passam e há pelo menos uma amiga que segue este blog que é fã de duas dessas bandas... fica para a próxima!

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Formar é fixe.

Quando penso no meu futuro profissional gosto de imaginar que vou conseguir dividir o meu tempo entre os cuidados directos ao paciente e algo mais leve para o corpinho, do tipo administrativo. Enfim, enquanto esse tempo não chega (se é que chega!) vou-me dedicando a uma área que gosto bastante: a formação. Um ano depois de ter chegado aqui (um gajo não sabe estar quieto) meti-me a trabalhar como formador de suporte básico de vida (massagem cardíaca e essas cenas) numa empresa que forma "socorristas" em várias empresas aqui na Suíça onde, legalmente, todas as empresas são obrigadas a ter alguns dos seus empregados formados nos primeiros socorros. E gosto bastante porque consigo juntar vários aspectos positivos como fazer algo que gosto e ser pago para isso, conhecer novas pessoas e realidades que não estão ligadas com o meio hospitalar e vou a sítios onde nunca iria numa situação normal. Mas gosto sobretudo do contacto com as pessoas. Um ano depois de ter começado nessa vida começo a aperceber-me que, independentemente do grupo, há personagens tipo que estão sempre presentes. A saber: 
 1. O SOCORRISTA PROFISSIONAL: é o gajo mais antigo dos socorristas da empresa, o fulano que faz todas as formações. Os outros olham-no com admiração pois é alguem de muito experiente na área dos primeiros socorros muito embora em 10 anos de experiência não tenha tido nenhuma situação a sério. É normalmente o líder do grupo e temos de ter alguma atenção para com ele, ou seja, ouvir o gajo discursar acerca dos algoritmos de socorro como se fosse ele o formador e não nós. Depois, só para o por no seu lugar elevo o nível da discussão um degrau acima pronto. 
 2. O BOMBEIRO: há sempre um em todos os grupos, o bombeiro voluntário que já fez a formação e só está ali porque o chefe mandou. Mostra enfado e brinca com o telemóvel o tempo todo dando claros sinais que se está a cagar para o meu discurso. Quando passamos aos exercícios práticos com o manequim de treino avança com aquele ar de Rambo dos primeiros socorros achando-se mais eficaz que toda a gente. É fácilmente posto em ordem ao apontar-mos as suas falhas (que não são dificeis de encontrar) e ao fazê-los repetir os exercícios mais vezes que os outros. 
 3. O LERDO: é o fulano que não percebe nada á primeira, que confunde os conceitos e consegue confundir o resto do grupo. É o gajo que não percebe que se não respiras é porque estás morto ou quase. Não há nada a fazer a não ser explicar tudo como se ele fosse muito burro. 
 4. O INTELECTUAL: é o gajo que vai googlar tudo sobre medicina e depois põem-se com perguntas teóricas sobre fisiologia cardíaca porque "leu na internet". Faz-se uma explicação bem elaborada usando termos como pré-carga, pós-carga, nódulo sinusal, resistência vascular, fibrilação ventricular e taquicárdia supra ventrticular e ele fica satisfeito. 
 5. A GAJA BOA: é a fulaninha que vai para a formação vestidinha de saia curta e saltos altos e unha bem arranjadas e que quando se apercebe que tem que se por de joelhos no chão para efectuar manobras de reanimação fica toda corada. Mas pronto, os homens do grupo toleram-lhe sempre tudo. 
 Depois temos os formadores e aqui há basicamente dois tipos: 
1. O MAIOR: é o gajo que sabe tudo sobre reanimação, nessa área não há pai para o filho do pai dele. Conhece toda a gente mais conceituada na área, trata por tu os responsáveis nacionais da reanimação. Vai de férias aos sítio mais exóticos e, azar do caraças, cada vez que está de férias há sempre acidentes e ele salva sempre meia-dúzia deles. Os acidentes mais mediáticos, ele esteve lá e foi o salvador da pátria. Resumindo, é o maior da rua dele. 
 2. O FORMADOR COM "F" GRANDE: é aquele que consegue deixar espaço ao socorrista profissional, que consegue cativar o bombeiro, que faz com que o lerdo perceba a mecânica da coisa, que ensina umas cenas novas ao intelectual e que no fim do dia de formação ainda saca o número de telefone da gaja boa!

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Anjos?

O anúncio chega como sempre, inesperado. Homem, 17 anos (como se pudessemos chamar "homem" a um puto com 17 anos), paragem cardio-respiratória após trauma craneo-encefálico, intubado, instável. O ambiente adensa-se na sala de reanimação à medida que chegam novas informações "O médico do INEM diz que foi uma agressão", diz o anestesista ao chegar. Preparamo-nos, os enfermeiros, os médicos, o ambiente é de cortar à faca e quase se consegue ouvir os pensamentos de todos "Temos que salvar este puto". O helicóptero aterra no tecto e faz estremecer as paredes quase fazendo com que esqueçamos o nosso próprio estremecimento. O puto chega, "agredido na rua, em coma à chegada do INEM, qundo o tentaram intubar havia sangue por todo o lado e ao tentarem aspirar entrou em paragem. Sete minutos de reanimação, 2 mg de adrenalina, recuperou o pulso mais o coma continua. A sala explode em actividade, ordens do líder da reanimação, pedidos do enfermeiro responsável. O puto não está bem, quero-o no TAC dentro de 10 min, se estiver a sangrar no céerebro quero-o no bloco o mais rapidamente possível, dispara o líder. As coisas encaixaram-se bem. Olho para o miúdo, franzino, mas com os sinais de uma rebeldia própria da idade, o cabelinho rapado com entalhes desenhados, a t-shirt de um grupo de rap qualquer, os ténis nike vintage com atacadores de várias cores, no bolso das calças cigarros e haxixe. Sinto-me genuinamente triste por este puto, provavelmente envolveu-se numa luta de galos por uma merdice qualquer e agora... Vamos para a sala do TAC, a maca rodeada de pessoas vestidas de branco... é estranha esta imagem, alguém numa maca, adormecido, ligado a máquinas que passa no corredor rodeado de seres vestidos de branco. Anjos para o protegerem ou anjos para o guiarem para o destino final? Nunca sei. O TAC não é bom, tanto tempo sem oxigénio... Outra imagem que me marca a cada vez: alguém completamente só de um lado do vidro e do outro os tais anjos de vida ou da morte que olham. Todos focados no vidro ou num écran de computador, enquanto um puto entra e sai de uma máquina em forma de túnel. É quase premonitório agora que penso nisso, ficará do lado de cá ou do lado de cá? Não, o cérebro foi-se, vai para os cuidados intensivos, estabiliza-mo-lo para dador de órgãos, é pena era um puto. Entretanto um polícia obscuro atrás de uma linha telefónica liga á mão do puto: "Aqui é a polícia minha senhora, o seu filho está no hospital..."

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Uma ajudinha minha gente?

Eu estou um bocado como o Paulo Portas e a sua decisão "irrevogável" de deixar o Governo. Também eu estava irrevogavelmente  convencido que iria fechar a tasca. Mas finalmente...
Eis o meu problema: as historietas que sempre alimentaram este Cheirinho passavam-se numa realidade dura e selvagem, com situações tão dramáticas ou parvas que só acontecem num país anedótico como o nosso. Neste momento ganho mais, trabalho menos mas passa-se tudo tão bem e de forma tão limpinha (o modo suíço) que acabo por não ter material para escrever. Ou seja, uma mudança de rumo impõe-se ou então isto evapora-se de vez!
E então? Para onde vamos? Aceitam-se sugestões.