segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Erros.

O erro. Todos os profissionais erram mas poucos serão os profissionais cujo erro pode decidir entre a vida e a morte de terceiros. Os médicos (numa primeira análise) e os enfermeiros (quer queiramos quer não!) são dois desses grupos. E há dois factores essenciais que potenciam o erro médico: a inexperiência e o excesso de trabalho! Eu já passei pelos dois e já vi outros passarem pelo mesmo.
A primeira vez que realmente errei, colocando em risco a vida do paciente, era ainda um estagiário do último ano. Depois de administrar insulina a um doente apercebi-me que tinha picado o doente errado. A insulina em doentes com níveis de açúcar normais no sangue vai baixar esses mesmos níveis a níveis potencialmente fatais. Recorri à enfermeira responsável pelo meu estágio e expliquei-lhe o que estava a acontecer. Ela, experiente, ajudou-me a monitoirizar o doente a manter os níveis de glicémia em valores normais. O único prejudicado foi o doente que foi picado nos dedos a cada hora, durante toda a noite!!! Esta foi uma valiosa lição para mim e hoje não administro nada sem me certificar que tenho o medicamento certo e o doente certo! Este foi um erro causado pela desatenção e pela inexperiência.
O segundo erro marcante ocorreu na Urgência de um grande hospital da zona de Lisboa, com uma afluência desumana, era eu já um enfermeiro certo das minhas competências e já com alguma experiência. Ao tratar de uma doente, estando munido de todo o material para colocar um soro numa veia e com todas as seringas cheias com os fármacos prescritos, coloquei o soro endovenoso em curso e comecei a injectar todos os fármacos prescritos. incluindo um que tem indicação para ser dado APENAS por injecção intramuscular (na nádega) e NUNCA endovenoso... Assim que terminei de injectar o fármaco, o meu erro atingiu-me na barriga como se fosse um murro! Naquela altura só havia uma coisa a fazer: vigiar a doente e estar preparado para o pior. Felizmente a doente não se ressentiu e tudo correu pelo melhor. Neste caso o erro foi potenciado pela pressa e pelo escesso de trabalho com que somos confrontados. Depois disto já tive vários sustos mas nada de grave!!
O mesmo já me aconteceu com médicos. Um que prescreveu um fármaco anti-convulsivo numa dose DEZ VEZES superior ao indicado que, se fosse administrado seria a morte do doente! Inexperiência. No outro, um experiente e competente médico prescreveu um fármaco cardíaco numa dose três vezes superior ao indicado, o que significaria também a morte do paciente. Aqui, excesso de trabalho. Em ambos os casos, os médicos ficaram gratos pela minha atenção.
Obviamente que somos humanos e podemos errar mas, no nosso caso, a tolerância com o erro é nula. Nem poderia ser de outra forma. Estes casos que descrevi serviram para que eu aprendesse a evitar esses erros mas o que me preocupa são os erros não detectados. Porque morrem doentes em circunstÂncias estranhas, principalmente em Urgência e nem sempre (quase nunca) quem erra partilha essa experiência com os restantes. O erro médico é a "besta" que ninguém quer encarar ou admitir, o "tabu" que não interessa ser desvendado, uma "área cinzenta" onde ninguém sabe bem quem é ou foi responsável. E (aos futuros enfermeiros que seguem este blog, prestem atenção) quando um médico cai, nunca o faz sozinho! Arrasta consigo alguns outros profissionais, quase sempre enfermeiros. Chama-se "erro médico" mas não é certamente só aplicado aos médicos.

9 comentários:

Melissa disse...

Assustaste-me!

Myosotis disse...

É das coisas que mais me preocupa =/ (sou estudante de enfermagem)

Ana Pedro disse...

Boa noite. :)

Sou seguidora (assidua) do seu blog, e este post tocou-me de uma forma especial.
Compreendo a vossa responsabilidade (dos enfermeiros e médicos) e sei que muitas vezes existem erros com consequencias muito graves.
Sou diabética (tipo 1) desde os 4 anos de idade e isso aconteceu devido a um erro médico. Neste caso nao se pode desculpar e dizer que "errar é humano", isto porque fui atendida pelo mesmo médico das duas vezes que recorri á urgencia do hospital e este me mandou ir dar uma volta, dizendo que uma pneumonia em estado avançado era apenas uma simples constipaçao.

Percebo que ninguem é perfeito, que há dias bons e maus e que toda a gente erra. Percebo melhor que ninguem essa situaçao. No entanto é necessário entender as duas partes. Entendo a vossa (profissionais de saude) mas tambem a dos doentes e familia. Quando se sentem as coisas na pele é mais facil de compreender. :)

Adoro o seu blog e o que escreve nele por duas razoes:
- Pelo seu sentido humor;
- Mas tambem pelo seu lado humano e compreensivo. É algo que deixa os leitores a pensar.

Boa semana. :)

continuando assim... disse...

pois.... não se pode errar ... e errar é humano !

finalista disse...

got it ;)

Sofia disse...

Parabéns!

É fantástico alguém que admite os erros que comete, principalmente nesta área tão complexa como a saúde.
Tbm já senti esse murro no estômago, quando por distracção dei uma geral a um pós-operatório que estava a liquida :P A Sra. Ficou muito satisfeita. Mas eu fiquei em pânico…

Anónimo disse...

Gostei muito do post... acho de louvar os porfissionais que partilham essas vivências.. É muito bonito dizer ue sou uma profissional optima ue nunca erro..mas se calhar é bem mais útil partilhar os erros e fazer crescer alguém.. obrigada "futuro/breve colega" :)

Anónimo disse...

Comecei hoje a ler o blog e já fiquei rendida.
Sou estudante de enfermagem, no último ano, a fazer agora estágio no Centro de Saúde. O erro é algo que me assusta e me deixa muitas vezes paralisada, com medo.
Até agora está tudo a correr bem, mas há sempre aquele medo, no meu caso, devido à (enorme) inexperiência.
Sabe bem quando os outros profissionais partilham os erros connosco, fazendo com que nós, os pequeninos estagiários, cresçamos e aprendamos com as experiências de quem tem mais anos desta vida!
Por isso, obrigada!
=)

j. disse...

Adorei o post, porque me faz pensar nos meus medos tambem. Se tudo correr bem, eu vou ser uma futura enfermeira e isso é provavelmente a coisa que mais me assusta de todo. Tenho muito medo de errar. Mas tambem ainda sou uma caloira por isso tenho tempo para me pensar nisso.

Gostei do blog :)