segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Wild, Wild West

As funções de chefe têm destas coisas. Um doente queixou-se de uma enfermeira afirmando que esta tinha sido incorrecta com ele. Depois de ouvir a versão do doente, ouvi a da dita enfermeira. As versões coincidiram em quase tudo excepto num ponto: cada um dizia que o outro é que tinha sido mal-educado!
Não tendo estado lá para ver não podia tomar um ou outro partido mas (há sempre um "mas" quando se vai ao gabinete do chefe!) vi-me obrigado a ter uma conversa com a enfermeira. Ela admitiu que a determinada altura perdeu o controlo da situação porque "antes de ser enfermeira sou uma pessoa". Nós, enquanto enfermeiros, temos todo o direito à indignação e a sentirmo-nos ofendidos. Eu, que desde sempre trabalho em Urgência, já fui insultado, mal-tratado, ofendido e agredido. Não há serviço nenhum onde os nervos estejam tão "á flor da pele", tanto do lado dos doentes como dos profissionais. A diferença é que nós somos pagos para fazer esse trabalho e não podemos encarar esses insultos como algo pessoal, algo dirigido a nós enquanto indivíduos. E, além do mais, existem técnicas que nos ensinam a lidar com estas situações. Podemos ser firmes e claros sem sermos incorrectos, podemos colocar um doente no seu lugar sem ser agressivos, devemos sempre manter a calma numa situação de agressividade por parte do doente ou familiares. Ao longo destes anos aprendi uma lição valiosíssima para lidar com essas situações: o segredo está em prevenir. Como é que isso se faz? Manter o doente informado, explicar o que se vai passar, apresentar-se o mais calmo possível e, acima de tudo, tentar acalmar o doente falando com ele.
Uma simples conversa que pode começar de várias maneiras. Perguntar que tipo de trabalho faz, como ficou doente, explicar o procedimento, etc, etc, etc. Podemos e devemos encontrar um tema de conversa e conversar com o doente. Claro que isto está intimamente ligado com a personalidade de cada um mas facilita o trabalho e obtém-se melhores resultados! Quando isto não resulta e se chega a uma situação em que o doente se altera existem várias técnicas que se podem usar. Um exemplo: quanto mais o doente grita, mais nós devemos baixar o nosso tom de voz! Simples e bastante eficaz! Não dizer "Tenha calma!", erro crasso! Se nada resultar o melhor é, pura e simplesmente, retirar-se do local e esperar que o paciente se acalme!! No fundo, trata-se de retirar de cena o elemento causador do stress.
Porque a relação que temos com o doente é a nossa melhor ferramenta, temos que saber trabalhá-la. É uma técnica como uma algaliação, uma entubação, uma injecção ou um banho no leito que devemos saber dominar. Ao não saber dominar esta técnica, a enfermeira deixou o doente ansioso, agitado e sem dormir. Não soube prestar um bom cuidado de enfermagem. Criou um conflito latente que vai condicionar todas as suas abordagens futuras a este doente. A diferença entre um conflito bem resolvido e um outro, mal resolvido, é que no primeiro caso o chefe não fica sequer a saber que houve um conflito!
Obviamente que não sou nenhum santo! Já tive a minha dose de conflitos mal resolvidos, já gritei com doentes e respondi com o mesmo vernáculo com que me brindaram! Mas, uma Urgência de um hospital central da zona de Lisboa é pouco menos que o wild west! Num ambiente controlado como é uma enfermaria não há razão para que um profissional perca a sua postura.
PS: o poder é uma coisa enebriante...
;)

8 comentários:

Melissa disse...

Mas tu agora és chefe?

Miguel disse...

Andas desatenta Mel...
Sim, sou o chefe na ausência do Chefe!!

Luh disse...

Felizmente que,até agora,as minhas relações com enfermeiros(as) estão essencialmente relacionadas com as vacinas.E há pouco tempo tive um elogio de uma.Pediu-me para descontrair o braço,não fazer músculo,eu disse-lhe "tbm não tenho músculo..." e ela "ah não não tens,se não tivesses não saía tanto sangue!"
Foi a primeira vez que alguém me disse algo do género,continuo a achar que não tenho e que tinha mais a ver com a vacina do que comigo,mas soube pela vida ouvir aquilo x)

De facto,frieza é tudo o que não pode faltar a um enfermeiro ou médico,muitas vezes os familiares falam com a voz do desespero,não com a razão e são vocês que levam por tabela.É mais complicado do que pensa.

continuando assim... disse...

lool , por vezes custa ... heheh

bj
teresa

Daniel Rodrigues disse...

bons conselhos

cumprimentos

Ana. disse...

É por isso que respeito tanto quem trabalha nos cuidados de saúde - deve ser complicado a todos os níveis, técnico, humano e social.
Se fosse a contar apenas com o meu temperamento (sem qualquer espécie de treino), facilmente andaria ao estalo com quem fosse mal-educado comigo!!
;)

Naná disse...

Eu como "frequentadora" recente e habitual de um serviço hospitalar central em Lisboa, confesso que já gostei mais da classe de enfermagem... mas reconheço o valor que têm e descreveste muito bem as tácticas todas...
Mas no outro dia, após não sei quantas tentativas de saber "delicada e educadamente" o problema de saúde que aflige o meu pai, juro que tive vontade de agredir uma sr.ª enfermeira que me respondeu à minha pergunta de "como é que está o meu pai?" com um encolher de ombros e uma profunda indiferença e "pior não está!" Mas lá me contive para não ser mal-educada porque as pessoas não têm culpa de eu estar nervosa, ansiosa e preocupada que o meu pai esteja internado no serviço de neurocirurgia com qualquer "coisa" a crescer-lhe no cérebro, certo?!

Miss Complicações disse...

Apesar de conhecer fantásticos profissionais de saúde, há alguns que deveriam estar numa rede de montagem de uma unidade fabril, onde tivessem apenas como função realizar movimentos repetitivos. Acho que quem vai para saúde deveria ser sujeito a minuciosos exames psicotécnicos. Esses sim, valem mais do que as elevadas notas que são exigidas para ingressar na profissão. Lidar com pessoas saudáveis não é fácil, quanto mais com as que se encontram fisicamente e psicologicamente debilitadas.