Somos um país amador. No sentido em que nada do que fazemos acontece de uma forma verdadeiramente planeada. Por muito que se planeie e re-planeie e se torne a planear, nenhum plano traçado é cumprido até ao final sem interferências. E isto acontece, entre muitas outras coisas, porque toda a gente quer mandar e toda a gente acha que o plano que um outro alguém delineou não está como deve ser e então, toca de alterar e mudar as regras a meio do jogo! Isto é particularmente grave para quem deve desempenhar as suas funções e vê o seu trabalho tornar-se obsoleto uma e outra vez. Já os chefes, coordenadores, directores, administradores, supervisores e outros interessam-se em mostrar-se, nem que para isso tenham que inventar. Não se trata de servir uma instituição mas sim de servir-se dela. E isso é particularmente grave quando se atropelam direitos legalmente instituídos. Neste caso, as Licenças de Parentalidade.
Uma amiga contou-me recentemente como a supervisora de equipa do banco onde trabalha afirmava, em reunião de serviço, que uma mulher com filhos, que falta para prestar assistência aos mesmos, que tem direito a horas de amamentação ou que se encontra em gozo de licença de maternidade, não deve ter direitos aos mesmos prémios de desempenho que os restantes. Porque está sempre a faltar, porque passa menos horas no serviço, porque a sua atenção não está na empresa mas sim na família! Esta senhora, como tantos aliás, esquece-se que os prémios estão relacionados à produtividade e não ao tempo. Mas, acima de tudo, é revoltante porque se trata de uma discriminação com base num direito que está legalmente instituído!! Claro que a senhora em questão não tem filhos... Chamo a atenção para o problema por ela levantado: o tempo! Em Portugal interessa sair tarde. Mesmo que nada façamos, temos de sair tarde porque só assim somos valorizados. Chegar a horas e sair a horas é mal visto porque, lá está, não estamos a "vestir a camisola" da empresa!
Uma outra amiga, que tem dois filhos, limita-se a fazer algo muito simples: entra à hora determinada e sai há hora determinada. E é a mais produtiva do seu sector! Não obstante, é alvo de constantes críticas dos seus colegas que saem depois do horário! Talvez seja porque ela não vai com eles ao café ao meio da manhã, aos almoços de duas horas e aos lanchinhos a meio da tarde... E quando um dos miúdos fica doente!! Cai o carmo e a trindade!
Numa das instituições onde trabalho, o gozo da licença parental alargada (30 dias no final da licença da mãe) é, ostensivamente mal-vista pelas chefias. Porque no tempo deles não havia nada disto, porque já gozaram 10 dias quando o bebé nasceu, porque o pai não tem nada que ficar com o bebé! Imaginem o falatório que foi quando eu gozei setenta e dois (!!) dias de licença quando o Gabriel nasceu!! Além de não ser nada comum o homem gozar a maior parte dos dias que pertencem à mãe foram, convenhamos, cerca de 5 meses que estive em casa partilhados entre dias de nascimento, assistência à família, férias e licença de "maternidade". Ouvi todo o tipo de bocas acerca de como iria dar de mamar ou sobre como me estava a "baldar" ao serviço. E ainda hoje se fala disso. Eu só sei que foram os melhores meses da minha vida!
Num país onde o "parecer" importa muito mais que o "ser" é normal que o trabalho efectivo não seja valorizado. Mas o facto de se discriminar alguém por fazer valer um direito reconhecido na lei demonstra que somos não só amadores, mas acima de tudo, uns merdas! E qualquer país civilizado reconhece que a família é o pilar de qualquer sociedade. Lembro que os direitos associados a Lei da Parentalidade visam beneficiar AS CRIANÇAS e não os pais...
5 comentários:
Aqui está um post que eu mesma poderia ter escrito mas nunca tão bem!
É exactamente o que eu penso visto eu ao longo destes anos ter andado a ser penalizada "apenas" por ser mãe e nunca na vida colocar a empresa á frente dos meus filhos!
Trabalho num departamento em que só por ser mulher ganho cerca de duzentos euros a menos que os meus colegas... e temos todos as mesmas funções!
E depois dizem que a população está a envelhecer!!!
Pffff!!!
Tudo de bom
Maria & Companhia
Excelente post Miguel!
Assino as palavras do anterior comentário (com excepção do parágrafo da remuneração)
Excelente post, não diria melhor. Infelizmente somente se valoriza as aparências e não o valor produtivo da pessoa em si, contando que o que interessa a muitas chefias é a cumplicidade em termos do tempo que se passa no serviço. Estas pessoas não reconhecem o tempo que se passa no serviço a executar as funções, seja em 7 ou 8 horas, de bom agrado. O que conta é o tempo que se alarga até 9, 10 horas de serviço (será que os/as enfermeiros/enfermeiras são freiras ou padres?) passado, muitas vezes, na cuscuvilhice e outras coisas que nem digo ....
Sempre me fez confusão este tipo de gente que nunca sai a horas e criticam os outros que saem, como se ainda vivessem no tempo em que os/as enfermeiros/enfermeiras não podiam casar nem ter filhos.
Acredito que muita gente desta gostava que o tempo voltasse para trás, nesse sentido.....
Tristeza!
Manda-os passear. Para não dizer pior... tens toda a razão, é um direito das crianças, e o pai ficar em casa com o seu rebento é muitíssimo benéfico. Para a família, para a mãe, para o pai e para o pequenito, claro. Não é baldanço, é um direito.
Não tenho filhos, mas bem vejo o que penam as minhas colegas, para conciliar tudo. E não trabalham menos por isso... poderão sair mais cedo, mas isso que importa? Desde que o trabalho esteja feito!
As coisas só mudam se as pessoas não abdicarem dos seus direitos nem das suas convicções. Não mudes, que não estás errado.
Ó Miguel... you're so right!! É tão triste que não sejam valorizados os pais e mães que trabalham e cuidam dos filhos! Se não forem eles (nós), deixa de haver futuro na Humanidade, pois só vão restar os velhos caquéticos, tristes e aborrecidos sem crianças à sua volta para darem esperança de um futuro melhor!!
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