Há algum tempo atrás deparei-me com este texto, extremamente bem escrito e fundamentado e que faz a apologia dos fumadores. Saliento desde já que não sou nem pretendo ser um fundamentalista anti-tabaco, que de fanatismos está o mundo farto e já não há pachorra! No entanto...
Não posso dizer que nunca fumei. Fi-lo aliás, numa época da nossa juventude em que todos o fazemos por umas ou outras razões: porque dá estilo, um ar rebelde e revoltado, porque queremos impressionar alguém. Mas foi coisa que não durou. A Lei do Tabaco aprovada há não muitos anos atrás veio repor alguma justiça na utilização de espaços públicos. Antes dela era virtualmente impossível comer um pastel de nata e beber um café sem assassinar uns milhões de células pulmonares e fumar, passivamente, o equivalente a vários cigarros. Porque, antes desta súbita demonização do tabaco, havia um certo sentimento de "se-não-estás-bem-muda-te" por parte dos fumadores em relação aos não-fumadores. Lembro-me de estar a receber ou a passar o turno no hospital envolto numa fumarada pior do que a do vulcão islandês! E nessa altura já era proibido fumar nos hospitais!! Mas havia sempre a "sala de fumo" e um sentimento de impunidade e, já agora, de "ai que chato este gajo que não deixa fumar um cigarrinho descansados"! Hoje o ar é limpo nos hospitais e outros locais públicos e todos podemos escolher bares e cafés livres ou não de fumo. E assim é que se está bem pois ninguém se pode queixar de discriminação!
Abordada que está a questão do fumo em espaços públicos, chega a hora de desconstruir uma certa ideia instalada de que "o que faço em minha casa só a mim diz respeito!". Porque o acto de fumar acarreta com ele consequências graves, não só para o indivíduo que fuma mas também para a Sociedade. Está mais que estudado e divulgado o efeito do tabaco na saúde de quem fuma. E também está calculado o que se gasta com os tratamentos de doenças relacionadas com o consumo de tabaco. Os fumadores dirão que descontam para a Seg. Social mas isso também os não fumadores e se, como se costuma dizer, vícios não se pagam a ninguém penso que não devemos pagar os tratamentos decorrentes desses vícios. E, acreditem, o que se desconta numa vida de trabalho não chega para pagar esses tratamentos! "Morrer ou ficar gravemente doente também posso ficar se, ao sair de casa for atropelado!", este argumento, muitas vezes usados pelos fumadores, rebate-se apenas pelo facto de o atropelamento, neste exemplo, ser algo acidental enquanto que uma doença pulmonar num fumador será tudo menos acidental! Que direito terá um fumador com uma doença pulmonar grave a um transplante pulmonar? Se foi alguém que durante anos assassinou os seus pulmões? O mesmo se aplica a outros vícios, como o álcool. Que direito terá alguém que bebeu durante décadas a um fígado novo, se em consciência destruiu o seu próprio fígado?
Penso que aqui o problema se coloca ao nível social, mais uma vez. É que, por razões históricas, drogas como o tabaco e o álcool são consumidos livremente mesmo sabendo-se dos seus malefícios. Pergunta: se o ópio, a heroína, a coca, o haxixe tivessem o mesmo percurso histórico seriam hoje drogas socialmente aceites? E se fossem liberalizadas e o seu cultivo e distribuição fossem regulamentados e taxados (como é o tabaco), existiria a criminalidade associada ao consumo? Nas épocas em que álcool e tabaco foram proibidos (Lei Seca, por exemplo) o preço e taxa de consumo subiram consideravelmente! Mas isso seria uma outra discussão...
Enfim, são apenas considerações e perguntas retóricas mas que podem servir para que os fumadores compreendam que, por muito que afirmem que esse é um problema que só a eles lhes diz respeito, o certo é que isso não é exactamente verdade!
4 comentários:
Acho que fumar nunca esteve tão fora de moda como hoje em dia e eu que era uma mente liberal na questão do tabaco dou por mim a pensar em tudo o que escreves aqui e a irritar-me com pessoal que fuma (pessoas de quem gosto principalmente).
Sou totalmente a favor da lei do tabaco. To-tal-men-te. Espaço público é, por definição, para ser partilhado, pelo que não se deve nem pode impor aos outros o nosso fumo.
Quanto à questão da saúde, olha que quem é fumador não recebe transplantes, ponto final. Não sei o que dizem os regulamentos a este respeito, mas a verdade é que não somos considerados, por a nossa condição não permitir probabilidades de sucesso que outros pacientes teriam e vamos para o fim da lista.
Se é justo os outros pagarem os nossos tratamentos? Nem sequer me importa. Eu também contribuo com os meus impostos para pagar rendimento mínimo a gente que não quer trabalhar e que gasta por mês mais na manicure e cabeleireiro que eu num ano. (unha de gel é cara, é sim). Eu tenho um sistema de saúde para o qual desconto €75 mensais, e não vejo nada, para além das receitas e comparticipação de medicamentos. O meu pai teve que fazer um bypass e foi operado no privado pois, apesar de ser diabético e arriscar perder a perna, teria que esperar mais de um ano no público. A minha avó teve cancro da mama e foi operada no privado - foi operada em data anterior àquela para a qual tinha a 1ª consulta no público (ei, não queríamos que ela esperasse tanto, vóvó é preciosa!). Eu vou a médicos privados, e também paguei do meu bolso uma operação que no público nem sequer me faziam porque o respectivo serviço tinha as admissões congeladas(mas era importante para a minha saúde).
No meio disto tudo, acho que o que menos me aflige é o que eventualmente custarei aos cofres do Estado, não achas?
Ia concordar totalmente contigo, Miguel, quando li o comentário da I. e também concordo com ela (felizmente, posso concordar parcialmente com um e com o outro). O problema, I., é que serás um caso dos menos comuns...
E podemos começar por mim: fumei 22 anos e fui operada no público a algo que terei sido eu a provocar por ter fumado. Também é verdade que para a maioria das coisas - consultas de rotina e exames médicos - vou ao privado. E tento redimir-me em cada ano que passa sem ter fumado, este ano já serão 8.
Mas fumar é realmente um bocado disparate, digo eu enquanto ex-fumadora (não fundamentalista, mas convicta).
Assino por baixo. Felizmente, fumar está cada vez menos na moda.
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