terça-feira, 11 de maio de 2010

A Padeira que era Exorcista em part-time.

Todo este ambiente de fé e crença no Altíssimo (cada vez que ouço este adjectivo só me lembro do Bruno Nogueira...) relembrou-me da minha infância, carregadinha de símbolos e locais do Cristianismo. Mas nenhum episódio dentro deste espírito é mais estranho do que um em particular que, por mero acaso se passou numa i... padaria!
Não era bem uma padaria, apenas um pequeno cubículo no rés-do-chão de uma habitação normal de igreja que distribuía o pão trazido pelo padeiro. Mesmo em frente À minha casa. A Dona Aninhas era (é, que a senhora ainda não morreu!) que voluntariosamente se ofereceu para me curar de um mal que me tinha acometido há vários dias e que não havia meio de me largar. Era um areijo levado do Diabo! Ora, para quem não saiba, o "areijo" é uma infecção da mucosa dos lábios que ocorre por desidratação destes mas que é perfeitamente inofensiva, desde que tomadas as medidas de higiene adequadas. A D. Aninhas estava convencida que era um areijo diabólico e disso conseguiu convencer a minha mãe que me entregou nas mãos daquela senhora para um ritual que só pode ser descrito de uma forma: exorcismo. Amador, é certo mas exorcismo ainda assim.
E assim, sem mais nem menos, dou por mim fechado no cubículo do pão, num ambiente bruxeleante onde a única luz era uma pequena vela onde existia ainda uma daquelas figuras de Nª Sra. de Fátima fluorescentes! Eu tinha uma dessas no meu quarto e tinha arrepios de medo só de olhar para ela, brilhando naquele verde berrante e só conseguia adormecer quando espetava com ela debaixo da cama. A D. Aninhas saca da faca do pão, com a lâmina curva de cortar a dura côdea do pão de centeio e aponta-a para mim! Julgo que pensei em dar-lhe um pontapé e fugir, pensando que ela me ia erradicar o mal à facada mas não. Começou a rezar e a desenhar cruzes na atmosfera, mesmo em frente ao meu nariz...
"Pai nosso que estais no céu.... Avé maria cheia de graça.... Hossana nas alturas... cordeiro de deus...." Ela bichanava as orações enquanto brandia a faca, de olhos fechados. Sempre me impressionou nas missas o facto de os fiéis bichanarem as orações! E que fechem os olhos também. Para mim era bom porque, em não sabendo as orações de cor sempre podia cerrar os olhos cerimoniosamente de ir fazendo "bchhh bchhh bchhh" e no final "Amén", mais uma benzedura e pronto! Ela bichanava e eu lembro-me de estar cheio de fome porque o ritual tinha que ser feito com não-sei-quantas horas de jejum e logo pela manhã. O cheiro do pão fresquinho que moldaava a atmosfera não ajudava a que me mantivesse concentrado nas orações e a pensar "Sai do meu corpo Diabo, sai do meu corpo!" conforme as instruções da exorcista-padeira. Portanto olhava para a Virgem Glam-Rock-Fluorescente e tentava encontrar concentração aí mas, nessa altura dava uma série de ET's na TV em que eles eram assim, verdes, e ficava logo com receio de ser atacado. Com as bolinhas de água, os pães de mistura, as carcaças, o pão de milho e a broa de centeio ali, à mão de semear, a minha barriga comandava a minha mente! E a senhora lá continuava "Pai nosso bchh bchhh bchhh... Avé Maria bchh bchh bchhh..." e eu com uma larica do caraças. Juro que a Virgem se riu maquiavelicamente para mim e a imagem de Cristo pregada na cruz, na parede, me fez um "thumbs-up"!
A D. Aninhas abrandou o ritmo e eu fechei os olhos com força e forcei-me por simular um despertar calmo de um transe intenso "Sai do meu corpo Diabo, sai do meu corpo!", bichanei de forma perceptível. A senhora libertou-me, visivelmente satisfeita com o seu trabalho. Tomei o pequeno-almoço e depois pedi à minha mãe para me comprar uma pomada.

6 comentários:

Anónimo disse...

Miguel, adorei a história mas desculpa...tinha que corrigir!

Florescente é aquilo que floresce, que está em flor ou o que é próspero, radioso. Exemplos: um negócio florescente (em crescimento), um campo florescente (repleto de flores).
- Fluorescente é o que tem a propriedade da fluorescência ou que emite luz. Exemplos: um marcador fluorescente, uma lâmpada fluorescente.

Miguel disse...

MALDITO CORRECTOR AUTOMÁTICO!! Obrigado fiel leitora...

Melissa disse...

Eu sempre soube que eras má rés. A mim, como à dona aninhas, não enganas.

Ana C. disse...

Este título arrumou comigo. É tão, mas tão bom que o texto até fica em segundo plano :)
Deves ter um montão de histórias de aldeia à espera de sairem cá para fora. Aguardo :)

Autora de Sonhos disse...

LOL

Ci disse...

Pai nosso bchh, bchhhh, bchhhhh...
heheheh está muito bom!!
Eu própria confesso que quando era pequena e ia à missa, proferia um bchhh, bchhh, pelo meio, pois nunca conseguia perceber o que o coro fervoroso ia dizendo.
Até que a minha mãe um dia se apercebeu e me fez o favor de explicar o que eram os tais bchhh, bchhh... Esclarecidinha a partir daí!
Quanto às exorcistas... na aldeia onde moro ainda vão havendo algumas, embora se vão tornando uma raça em extinção!! E digo eu muito mal! E agr que é que me cura dos maus olhados??

EHEHEH ;)