domingo, 12 de dezembro de 2010

Desencantamento.

"Viver em Portugal, porquê?
Um amigo prestes a deixar o país, fez-me este pergunta, deixando.me quase sem resposta: para alguém desprovido de meios de fortuna familiares mas que ambiciona uma vida digna e apetrechada dom os confortos normais do mundo contemporâneo, que ainda acredita na antiga lógica que trabalhar, muito e bem, constitui o meio mais idóneo para melhorar a existência da sua família, que motivos podem ser suficientes para o convencer a viver em Portugal? Se descontarmos as razões indefiníveis que alicerçam o amor pelo lugar a que chamamos pátria, valerá a pena viver aqui?
Em Portugal, segundo a arenga do futuro emigrante, tudo o que temos por indispensável é geralmente mais caro: a electricidade, o gás, os combustíveis, as casas, os automóveis, os produtos financeiros, a internet e as comunicações móveis são dos mias dispendiosos da Europa. Há dias, surgiu na imprensa um estudo que assegurava que um cabaz composto pelos bens essenciais adquiridos nos hipermercados era mais barato cerca de 11 por cento em Espanha apesar de a diferença nos salários nos dois países andar próximo desse valor-só que em nosso prejuízo. A nossa taxa de esforça fiscal (impostos directos e indirectos) é das mais elevadas mas não tem retorno visível por parte do Estado. A nossa adminstração mantém-se como uma das mais ineficientes, lentas e é aquela cujos resultados menos agradam aos cidadãos. Portugal subsiste numa centralização obsessivamente tacanha, a mais aguda de todos os países civilizados que se conhecem - mais ou menos a par da... Grécia.
Os portugueses são o povo menos informado da Europa, com os níveis residuais de participação política e social. Os governos são deixados à vontade por uma opinião pública imbecilizada, apática, predisposta a consentir qualquer patranha verticalmente engendrada. Os argumentos que sustentam o respeito pelo mérito ou que apelam à honestidade pública são escarnecidos na prática quotidiana e foram tacitamente irradiados dos valores educacionais comuns. tudo indica que as novas gerações serão ainda piores nos mesmos defeitos daquelas que já por cá marinam.
Vi-me forçado a concordar. Sobretudo quanto à indiferença ruminante com que acolhemos a maldição dos maus governos. Ainda ripostei com os nossos poetas mas não fui atendido: "Pessoa, Sena e Torga, já soam melhor longe daqui."
Um a um vejo a irem-se embora muitos dos melhores. Sempre fomos assim, procuramos noutros lugares aquilo que a pátria nos recusou. Só que aqueles que agora se vão contrariam a tradição e partem sem saudades e sem gosto de voltarem um dia."
Carlos Abreu Amorim in Revista NS' de 23 de Outubro 2010.
Ando com pouca vontade de escrever. Aliás, carrego nos ombros o peso do desencantamento. Sim, há muito que me quero ir embora mas hoje, fruto da negra realidade com que me deparo diariamente no meu novo serviço, não vejo a hora de virar costas a este país. Na verdade há dias que ando a construir mentalmente um texto acerca de como o que se passa no serviço onde agora trabalho reflecte tudo o que está mal no Sistema Nacional de Saúde. Desde a gritante incompetência do chefe e a sua perigosa parcialidade, passando pelo desinteresse, falta de profissionalismo e leviandade com que a maioria dos profissionais (enfermeiros, auxiliares, médicos) desenvolvem as suas funções e acabando na óbvia falta de qualidade nos cuidados prestados aos doentes, este micro-ambiente que é um serviço de medicina num hospital é o espelho de tudo o que não deve ser a Saúde e a Enfermagem em Portugal. E sinto-me assim, desencantado e triste porque não estava habituado a tamanha hipocrisia. Havia dificuldades sim, falta de material por vezes mas, no serviço onde trabalhava antes existia uma comunhão na ideologia dos cuidados: o doente primeiro. Desde que houvesse condições tudo se fazia para melhorar a condição do doente, a sua qualidade de vida e de morte. Os cuidados eram pensados e planificados dessa forma. Actualmente vejo-me a ter discussões com colegas que trabalham tendo como regra a "lei do menor esforço". Hoje, mais que nunca, estou desencantado com tudo isto. E eis que encontro este texto numa velha revista na mesa de um café. Eu não sou o amigo do autor que se prepara para emigrar mas o seu discurso é o meu também.

4 comentários:

Eugénio disse...

O texto acima citado é muito verdade nos vários aspectos que aborda...

No meu caso, quase quatro anos depois de ter deixado Portugal, olho para trás com uma certeza: Nunca conseguirei voltar a exercer a minha profissão em Portugal.

Quanto ao nosso estado como país há algo que me intriga: Somos corruptos, pouco eficientes, cheios de burocracia, ganhamos mal etc etc, mas se compararmos o típico Português de 30 anos com o cidadão de 30 anos de muitos outros países, continuo a achar o jovem Português muito mais interessante (Muito mais culto, mais versátil, mais equilibrado)... Sem explicação um país que funciona muito mal produz excelentes profissionais qualificados, com a atitude e personalidade certa, o que são coisas incompatíveis... daí o êxodo

Layanne Eduarda disse...

Caro Miguel... o teu texto está bem claro...
Na segunda parte quero te dizer que isto não acontece somente aí em Portugal, acontece em muitos outros lugares, por mais rico que seja o país há sempre estas coisas, pq hoje em dias "algumas" pessoas pensam somente no dinheiro e no bem estar,acham que não precisam suar tanto para se chegar tão alto. Poucas pessoas, assim como tu, pensam diferente, nós da área da saúde de certa forma devemos pensar no bem estar de nossos pacientes deixando-os da melhor forma possível, e assim, depois vermos o nosso lado... (cansados, exaustos e estressados!) Mas enfim, no final de um longo dia de trabalho paramos e pensamos... O que eu fiz valeu e valerá a pena, todo o meu esforço foi e será sempre útil!
Até breve.

Tia Complicações disse...

Depois de ler o texto tive aquela sensação de dejá-vu, na realidade é o que se passa neste País, um desencantamento colectivo. Observo isso diariamente e odeio todo esse sistema corrupto, a incompetência dos governantes que continuam a brincar ao faz de conta que está tudo bem e continuam no blá, blá só para inglês ver.
Será que não existe neste País alguém idóneo, imparcial e com o mínimo de escrúpulos para pôr mão nisto …..

Anónimo disse...

Mas é claro que estamos desmotivados... cada vez ganhamos menos...

Essa coisa de vocação tem um limite, estamos fartos de apanhar porrada...