Ele é nosso doente há anos. Um ex-combatente endinheirado, bon-vivant, amigo dos copos e petiscos. Diabético, com insuficiência cardíaca e com um fígado já a queixar-se dos excessos comensais, saía e entrava do serviço regularmente. Vinha ter connosco quando estava à rasca mas, mesmo ainda antes de sair das portas do serviço já ia a combinar um petisco ou uma mariscada com um qualquer companheiro! Uma vez disse-me, em resposta a um aviso meu: "Sr. Enfermeiro, já vivi o que tinha a viver, os meus filhos estão bem, deixo-lhes muito dinheiro. Restam-me os momentos com os meus amigos. Deixem-me viver bem o que me resta!". E hoje cá está ele, deitado numa cama, pálido, com dificuldade em respirar, o coração a falhar. A hora dele chegou.
É um velho conhecido do nosso serviço, alguém que conhecemos no seu auge, independente, lúcido, divertido, camarada. Um colega dizia-me ontem que esperava que a sua morte não acontecesse num dos seus turnos. Os olhos do meu colega não mentiam. Hoje uma auxiliar chorou junto á cama, mão na mão com ele. Na verdade, este doente marcou algumas pessoas daqui. E eu?
Eu sabia que este era o desfecho que o esperava quando o recebi. Cansado, velho e quebrado. Desorientado e agressivo, estava longe do homem alto, garboso e imponente que tinha sido. Vi-o a afundar-se naquela cama e estou aqui hoje vendo-o em períodos de apneia cada vez maiores. E sinto-me como uma parede emocional. Em contraponto aos meus colegas não me sinto triste ou revoltado, nem sequer angustiado com a sua morte. Sinto por ele o mesmo que por outros doentes menos conhecidos. Uma tristeza pelo sofrimento por que sei que eles estão a passar, mas não pela pessoa em si. E esta aparente frieza de emoções preocupa-me por vezes pois preocupo-me com os meus doentes. Apenas não sou capaz de chorar por eles, chorar a sua morte, a perda.
É um velho conhecido do nosso serviço, alguém que conhecemos no seu auge, independente, lúcido, divertido, camarada. Um colega dizia-me ontem que esperava que a sua morte não acontecesse num dos seus turnos. Os olhos do meu colega não mentiam. Hoje uma auxiliar chorou junto á cama, mão na mão com ele. Na verdade, este doente marcou algumas pessoas daqui. E eu?
Eu sabia que este era o desfecho que o esperava quando o recebi. Cansado, velho e quebrado. Desorientado e agressivo, estava longe do homem alto, garboso e imponente que tinha sido. Vi-o a afundar-se naquela cama e estou aqui hoje vendo-o em períodos de apneia cada vez maiores. E sinto-me como uma parede emocional. Em contraponto aos meus colegas não me sinto triste ou revoltado, nem sequer angustiado com a sua morte. Sinto por ele o mesmo que por outros doentes menos conhecidos. Uma tristeza pelo sofrimento por que sei que eles estão a passar, mas não pela pessoa em si. E esta aparente frieza de emoções preocupa-me por vezes pois preocupo-me com os meus doentes. Apenas não sou capaz de chorar por eles, chorar a sua morte, a perda.
7 comentários:
o sentimento de tristeza não se demonstra SÓ pelo choro...por vezes se chorasse faria bem, mas por vezes é muito mais custoso não chorar do que talvez se o fizesse....
bom domingo
smsn.artes
Eu, que provavelmente não tenho os mesmos anos de experiência que tu, não consigo também chorar por eles... Não sei se é defeito ou se fui formatado assim... Mas não pude deixar de sorrir quando no meu serviço um doente me disse: "Sr. Enfermeiro, se conseguir sair daqui em condições, mesmo que seja só por um dia... vou juntar os meus amigos e apanhar uma bebedeira enorme." Há momentos em que isso é que nos faz continuar...
Não me parece nada esquisito guardares o choro para quando se tratar da tua própria vida, pois essas merdas acontecem a todos.
Quanto ao teu paciente, é torcer para que a coisa seja rápida, e honrar o facto de ele ter vivido como escolheu. Não há muita gente a poder dizer o mesmo.
[saudades das blogonovelas :( ]
Sou aluna de enfermagem do 2º ano, estou agora a estagiar no serviço de medicina e ja vi alguns doentes morrer, e o que me preocupa assim como a ti, é que nao sou capaz de chorar por eles, embora me preocupe sempre com eles...
e ainda sou eu uma mera aluna.
Beijo*
Preocupante seria não se importar com os doentes...
É como diz a Melissinha
Há coisas que ficam restringidas à nossa vida, sem que isso queira dizer que não nos importa tudo o resto
Que seja o mais tranquilo e rápido possível para esse senhor
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