terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Estejam atentos quando andarem nos corredores de algum hospital...

Mas haverá melhor tema para regressar aos textos dignos desse nome, em vez de posts sobre os abdominais do CR7/9 e listas de Natal megalómanas, do que... cadáveres? Não. Um cadáver é uma pessoa, amemos o cadáver. Eu já vi, já mexi e já empacotei a minha dose de cadáveres. Uns com mais vontade outros com menos, uns com pesar e outros com uma estranha leveza, o que me levou a reflectir sobre o psicopata assassino que pode morar nas entranhas da minha mente. Mas nunca com indiferença. De todos os cadáveres com que já tive o prazer de privar (cá está a tal leveza...) houve dois particularmente marcantes: o primeiro, por razões óbvias e um com quem me cruzei nas Urgências de um hospital central da zona de Lisboa. Corria o ano de 2005...
Encontrava-me no Balcão de Mulheres, como sempre o mais movimentado ou não fossem as mulheres as nossas principais e mais fieis clientes, e os bombeiros trazem-me uma senhora deitada numa maca. Magra, nariz afilado e cabelo negro, apresentava-se pálida mas consciente. Não me lembro do nome mas trocámos algumas palavras. Tosse, febre, falta de forças em Novembro ou Dezembro logo me remeteram para algum tipo de infecção pulmonar. O médico enviou-a para o Rx. O tempo passou, os doentes também até que uma senhora me abordou: "Sr. Enfermeiro, a minha mãe não se está a sentir bem..."
"Desculpe?"
"A minha mãe, mandou-a fazer um Rx mas ela ainda não foi vista e não está a sentir-se nada bem."
"Mas... o que se passa?"
"Bom, ela simplesmente deixou de falar comigo..."
Acompanhei a senhora até ao corredor onde os pacientes esperam pela chamada para os exames e, assim que virei a esquina percebi o problema da doente. Um pálido translúcido, os lábios escuros, o olhar vazio, por mais que descreva um cadáver não é possível transmitir aquele aspecto... bom, aquele aspecto morto! No corredor, com dezenas de pessoas a circular, doentes e profissionais! Claro que não podia revelar o meu diagnóstico ali, no meio de tanta gente...
"Dª Fulana? Ó Dª Fulana, sente-se bem?.... Pois, não reage.... aguarde aqui que vou leva-la já para dentro! Vamos fazer um tratamento Dª Fulana!!" E, calmamente, empurrei o cadáver para a sala de reanimação, liguei-a ao monitor para observar aquela linha plana e continua que é, tão dramaticamente usada nos filmes e séries para marcar a morte do artista, e chamei o médico.
"O qu'é q'foi pá?"
"Doctor! A mulher foi-se."
"'Atão s'tá morta p'ra qu'é q'me chamas??" E retirou-se tão depressa como chegara. O cadáver ficou-me "nos bracinhos". E ali fiquei, a fazer tempo. Não podia sair logo e transmitir a notícia à filha, ela aperceber-se-ia de que pouco ou nada tinha sido feito e por isso, ali fiquei. Aproveitei aquele tempo morto (piada fácil, eu sei) para adiantar trabalho e fazer a verificação das máquinas e para repor material. Depois chamei o médico para que ele certificasse o óbito e transmitisse a notícia à família. E não, não me envergonho de ter passado a "batata quente"!
E pronto, mais uma história real do país real onde, por vezes as pessoas morrem nos corredores de hospitais enquanto esperam por exames. A sorte ainda vai sendo o facto de andarem por aí uns carolas enfermeiros!

7 comentários:

Ana C. disse...

Que pontapé na cabeça Miguel. A morte nunca é bonita, é uma realidade, mas quando contada pelo lado de lá, dos que já se habituaram a ela, ainda se reveste de um tom mais cru...

Melissa disse...

Eu ia dizer que devíamos repetir o brunch para mais histórias dessas, mas pareceria insensível.

Lia disse...

bem...
olha, eu parti a cabeça à pouco tempo, fui para o hospital a sangrar que nem uma perdida, estive para lá deitada não sei quanto tempo com a minha propria blusa a fazer pressão por causa do sangue e a unica pessoa que se preocupou minimamente foi uma auxiliar que me levou para fazer um tac, de resto, médicos e enfermeiros...nem vê-los ao pé de mim...

Precis Almana disse...

Passei recentemente uns dias num hospital público do qual só posso dizer bem de médicos, enfermeiros e auxiliares e onde senti que toda a informação sobre a minha saúde era do conhecimento de todos que estavam ali para me fazer ficar melhor. Sou muito reconhecida. Até me comovi a despedir-me dos enfermeiros, mas a verdade é que também estava vulnerável...

Ultima Thule disse...

Também já vi uma dessas situações...

Mas no meu caso a mulher do senhor apercebeu-se do que se passou... foi um grande problema para a acalmar a ela e todos os outros presentes nas urgências.

Luh disse...

Creepy =/
Mas ao mesmo tempo tão normal...

Pulga Catita disse...

De arrepiar!! Já comentei isso com os meus pais. Se eles tiverem que ir ao hospital para não se deixarem encostar. O que é difícil quando uma pessoa está fragilizada.

O ano passado tive 3 intoxicações alimentares (é o que dá comer porcaria) e numa dessas vezes fui às urgências porque tremia que nem varas verdes e a febre subiu em flecha sem mais nem menos. O que é certo é que fiquei 7h nas urgências (praticamente toda a noite) por suspeita de gripe A (de rir). Vi tantas pessoas serem encostadas para os corredores que suspirei por eu não estar tão mal assim! Fiquei 5h a ouvir uma senhora ao meu lado a gemer. Gemia, gemia, gemia... até que me fartei!
- Oh Sr. Enfermeiro, essa senhora já está aí há umas 5h a gemer e vocês nem perguntam o que se passa?
- Ela já está medicada.
Olho para o frasco, vazio.
- Ah, nota-se. Ao menos umas palavras de conforto, não?
- Oh menina, isto são as urgências!
- Ahhh! E deixamos de ser humanos por esse facto.
Virou costas e andou.
Passados uns minutos, (perguntou-lhe o que ela sentia) meteu qualquer cena na veia da mulher e ela passada meia hora calou-se, finalmente!!!
Passadas as 7h saí de lá, o meu marido teve de ir a casa buscar benuron pq não me deram nada para baixar a febre. Segundo o enfermeiro não me podia medicar sem ordem do médico. E pronto, vim embora com uma receita de brufen. E foram assim umas 7h maravilhosas, bem passadas, com a minha filha em casa a querer mamar e eu ausente! Ela que só mamava no peito e não comia mais nada de 3 em 3h!! Brutal!!

Mas mais más experiências, tenho sim.

Mas isso fica para outra altura que já deves estar fartinho de me ler.

Hasta que já se faz tarde