Era ainda aluno e estagiava num serviço de Cuidados Intensivos. Certa noite, pela madrugada, dá-se o óbito de uma doente, obesa, pesando o simpático valor de cerca de 130Kg. A auxiliar do serviço, ela própria um fóssil vivo com, no mínimo uns 120 anos, foi encarregue pelo chefe de equipa para transportar o corpo à morgue. Aqui o vosso amigo que escreve, numa atitude de mistura entre "coitadinha da senhora (auxiliar) que pode precisar de ajuda" e uma curiosidade mórbida de ver a morgue por dentro, voluntariou-se para acompanhar o fóssil.
Como se sabe, as morgues ficam sempre na última das caves dos edifícios. Esta não é excepção.
Cenário: no elevador eu, a morta e o fóssil vivo, a descer uns 6 pisos no mais absoluto silêncio (isto ás 4 da matina). Abrem-se as portas... um longo corredor com apenas luzes de presença que, ainda por cima, acendem e apagam ou tremem criando um ambiente de penumbras e vultos de sombra. Inspiro profundamente e começo a pensar que talvez, talvez tivesse sido melhor ter ficado caladinho em vez de tentar ser simpático. Saímos do elevador e... a "maca dos mortos", uma espécie de carrinho de transportar comida gigante, com uma tampa em aço inox e tudo, emite um som agudo e penetrante, ritmadamente.... rnhec, rrrrnhec, rnhec, rrrrnhec...
O corredor parece nunca mais chegar ao fim.... vejo ao fundo a porta negra de acesso à morgue. Quando nos aproximamos um vulto salta das sombras, de negro vestido, pálido e com olheiras. O meu coração acelera... o vulto balbucia: "Qué que querem?"
Abre a porta, lentamente e esta range lentamente, um som que se amplifica no corredor e que, juro, parece-se assustadoramente com um gemido de dor. Entramos. O Segurança fica à porta "a vigiar" e nós contemplamos o frigorífico gigante com dezenas de pequenas portas fechadas. apenas uma está aberta, em cima, ao nivel do meu peito.
Preparamo-nos, eu e o fóssil, para colocar a morta na sua gaveta. "Eu fico na cabeça e a senhora coloca os pés. A seguir ajuda-me a levantar o resto do tronco e a empurrar" digo. Assim acontece, mas... o fóssil escorrega (nem sei em quê) e eu fico com o cadáver pendurado entre mim e a maca, peço ajuda ao segurança que grita "Eu, aí não entro!" enquanto corre pelo corredor. O fóssil não tem força suficiente. Coloco-me por baixo do cadáver tentando usar as costas para o levantar e, no processo, o embrulho do corpo cede. Um braço abraça-me o ombro esquerdo, o pé sai da maca. "Estou f********do! Se ela cai no chão nunca mais a levanto...", mas, num último esforço e já com a ajuda do dinossauro vivo, empurro e lanço o corpo para dentro da gaveta, mais ou menos como se descarrega um saco de batatas para dentro de um camião. Já está... o cadáver tem os olhos dirigidos para mim e julgo observar um esgar de divertimento nos lábios da senhora morta.
Fechamos a porta do frigorífico e depois da morgue. O segurança desapareceu. Percorremos o corredor com o som frio da maca a ranger. Entramos no elevador e depois de volta ao serviço. Nem uma palavra.
"Correu tudo bem?" pergunta o chefe de equipa.
"Tudo bem" respondo. "Tudo bem..."
12 comentários:
confesso que dei uma boa gargalhada...e hoje nem está fácil ;)
Ah ah ah ah ah ah ah ah! O que me fazes rir é impagável!
Não pude evitar rir a imaginar a cena =)
AHAHAH. Digno de um episódio de Scrubs!!!!
No meu estágio, que foi num CS com internamento, tive a "oportunidade" de ver um morto pela 1ª vez (esta frase soa um pouco estranha...). Felizmente foi só ver... nada de manusear!
Da-se!!
Borrava-me tudo...
Meus deus, que mórbido. :P
Tudo bem mesmo. lol
Tens a certeza de que esta história não acaba com: Depois acordei aos grtios e percebi que tinha sido apenas um pesadelo?
Muito Bom!
Xi... k história!!!
=D
Um blog muito interessante! Parabéns!
:)
lol
Muito me ri eu com esta história...
Em época de exames é bom vir aqui para desanuviar =P
Desmanchei-me a rir com a história a desenrolar-se na minha cabeça à medida que a ia lendo! Muito engraçado. Eu tenho um sério problema com pessoas obesas: faz-me impressão aquela gordura toda a ondular quando andam, ou quando fazem um pequeno movimento. É que até depois de mortos dão chatices! Que me desculpem os + sensíveis, mas acho que essas pessoas deviam procurar ajuda médica para resolverem o seu "grande e espaçoso" problema. Sei que nem sempre há resolução, mas há que ter muita força de vontade que parece que nestes casos nunca há.
Ilariante!
Confesso que me ri ainda uns bons minutos com esta história. Creio que se partilhássemos um pouco de cada um teríamos peripécias interessantíssimas para sorrir.
Continuação caro colega.
Miguel
Só uma pergunta: nas vossas instalações os seguranças não se metem em discussões porque "não estão para levar um estalo", não ajudam em coisas tão básicas como esta última porque "aí não entram..." Que é que fazem, afinal???
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