terça-feira, 10 de novembro de 2009

Fogo-de-artifício verbal.

"Então do que se queixa?". Esta parece ser a pergunta-gatilho para uma maratona verborreica de alguns doentes.
"Ai sr enfermeiro, dói-me aqui as cruzes. Sabe, eu trabalhei muitos anos no campo e então, quando tinha 20 anos, sabe, em 1955, que foi quando o meu marido faleceu, deus o tenha em eterno descanso, porque que lhe uma grande dor muito grande no peito e faleceu-se-me mesmo ali, na cozinha. Diz que foi um farto do micardo ou lá o que foi. Mas pronto, ele faleceu e eu tive que ir trabalhar para o campo, para a quinta do capitão Areias que foi um grande combatente da guerra, diz que esteve para lá perdido nas francias ou nas alemanhas ou lá o que era e que tinha um feitiozinho tramado, andava sempre armado e a gritar com os trabalhadores e deitava-se logo ao chão quando estoirava alguma coisa. Coitadinho, morreu de velho e os filhos e os netos, que eram uns grandes gananciosos estavam mortinhos por vender a quinta para construir uns apartamentos. Isto era ali na zona da Costa que aquilo era só quintas naquela altura, agora é que é só prédios e todos mal feitos. O meu genro que trabalha nas obras diz que os construtores são todos uns aldrabões que não metem o material de primeira e que poupam no cimento e depois acontece como aconteceu a mim que se me racharam as paredes todas e depois o trafulha não me quis arranjar o problema. São uns trates. Mas eu fui então trabalhar para o campo e uma vez dei um jeito tal na espinha que fiquei entrevadinha durante uma semana e não sentia as pernas, andei um mês a levar umas injecções de cavalo para se me aliviarem as dores e a enfermeira era uma gorda que afiava as agulha na parece e aquilo doía para burro, isto foi já em 1975 já o Salazar tinha morrido e os comunistas é que mandavam nisto. Nessa altura toda a gente era doutor e andavam aí uns barbudos nas escolas que tratavam os professores por tu, era uma pouca vergonha as mulher a mostrar as pernas e a barriga na praia e a fumar deus me valha, que eu nunca fumei. E então na semana passada fui pegar no penico que estava debaixo da cama e dei aqui um mau jeito e então vinha cá resolver isto."
E nesta altura eu peço a estas pessoas para aguardarem a sua vez na sala de espera e tomo um ben-u-ron para ver se me alivia a dor de cabeça.
PS: esta situação está descrita como "discurso em fogo-de-artifício", quando o indivíduo não é capaz de seguir uma linha recta até à conclusão do seu raciocínio.

10 comentários:

Lia disse...

lolol.... eu adormecia a meio...

Anónimo disse...

Ó Sr enfermeiro, mande lá a melher fazer um ró-xis!!!
A.A.

bela disse...

Não, acreditem, não se adormece, mas desliga -se o pensamento a meio, e volta -se a ligar no fim!!!!
E se crescentarmos um «relamente», e «esta a ver!» temos um utente verdadeiramente feliz, e nosso «amigo» até à eternidade!

Ana C. disse...

Miguel eu vou deixar aqui uma confissão, mas em SOS tu apaga-me isto, queima, lança pela janela:
A minha sogra é assim. Vai até ao útero para contar um episódio que se passou no supermercado...

Nuvem disse...

LOOOOL
Parece a minha falecida avó e algumas pessoas que eu cá sei :)

Anónimo disse...

E o pior é que há mesmo situações assim.....uma pessoa lá vai treinando o abanar da cabeça em concordância, saboriando o caricato do episódio e apreciando a capacidade de monólogo do nosso povo.

Rita*

Daniela disse...

Depois pede para fazer um Taco à espinha e ainda se queixa de enchaquetas. Quando fiz o meu estágio profissional como Assistente Social (mal empregado dinheirinho que gastei no curso!!!) foi num hospital e tinha muitas situações destas no atendimento.Tinha que me conter para não rir ás gargalhadas à frente do utente.

Luh disse...

Essa do patrão que andou na guerra e ia para o chão assim que ouvia alguma coisa a rebentar...tenho um prof na minha escola que também é assim.Mas para esse basta gritar "olha a booombaa!" coitado :s

Bom,mas ri-me imenso com o texto xDDD

Anónimo disse...

lol

Bem, hoje de manha, eis que chego lampeira ao serviço e rezo para me terem distribuido os doentes que não falam, não mexem, mal respiram...
O meu Azar é tanto que assim que me aproximo do plano de trabalho... e vejo o nº7 em frente ao meu nome, este post me assalta o pensamento!!
Estive a passagem de turno toda a rir... é que a velhinha além de um TCE frontal (consequentemente desinibida) tinha já de ORIGEM uma incrivel verborreia - Fogo de artificio verbal!
Andei o resto da manha em piloto automático - é que ninguem merece!!

Cumprimentos

A. Silva

Bypassone disse...

Pior são aqueles que se esquecem a meio e não conseguem terminar o que começaram a contar....
(Ah e tal mas estávamoa a falar disto por....)