Se há um período de tempo em que dou por mim a reflectir nos mais variados aspectos da minha vida, é no período de tempo que perco a conduzir nas deslocações casa-trabalho ou trabalho-trabalho. Normalmente dou por mim a pensar ou no trabalho, ou na família, ou muito simplesmente a reflectir sobre a letra da música que estiver a passar na rádio. Há uns dias atrás, após um pequeno susto com um carro que mudou de faixa sem aviso dei por mim a pensar na Morte. O que é estranho é que, convivendo eu de perto com a Ceifeira, nunca tenha dado por mim a reflectir realmente na morte, no exacto momento em que a máquina pára e a vida se apaga.
Inconscientemente levanto o pé do acelerador. Não me preocupa o impacto, o momento em que o meu corpo é desfeito. Tenho quase a certeza que isso será indolor. Uma luz ou o negro e o fim, sem dor. Mas penso no depois. No meu filho, na minha mulher, nos meus pais e irmão e em todos os que me conhecem. Penso nos meus seguidores no blogger e nas velhas do hospital. Penso em não existir e isso deixa-me angustiado. A morte súbita angustia-me.
Depois tento imaginar uma vida cheia, feliz e longa. E imagino um velho Miguel deitado numa cama na sua casa soalheira. Os filhos e os netos (e talvez os bisnetos) a sua volta, com lágrimas nos olhos mas sem mágoa. Morro mas digo-lhes que vivi, que os amei e que me senti amado por todos. Visitei os lugares que quis, sempre com a Mariana ao meu lado e rimos. Rimos muito juntos! Também discutimos e amuámos um com o outro. Mas fomos felizes. Se há alguma ideia do que é o sucesso, para mim é morrer rodeado daqueles que amo. E poder dizer-lhes "Parto sem mágoa. Queimem o meu corpo. Juntem-se e vão espalhar as minhas cinzas no meu lugar favorito. Alegrem-se nessa hora." Depois fecho os olhos. E só imagino o negro, o vazio. E esta não-existência angustia-me.
10 comentários:
é, as viagens com mais de 2 minutos fazem-me pensar =P Mas agora a serio, conduzir também me faz pensar muito, claro que quando conduzo sozinha! E os assuntos que me vêm espontaneamente a cabeça são dos mais estranhos possíveis, mas penso que nunca me deu para pensar na morte enquanto conduzia!
Ah e aproveito para diz que gosto mesmo muito do blog! Se eu fosse uma editora acredita que publicava ;)
excelente blogue!!!
smsnartes
A não-existência também me angustiou muito, pela primeira vez quando tinha 8 anos e, por alguma razão que não recordo, tomei consciência da morte.
Depois desenvolveu-se em mim a fé cristã e a não-existência deixou de existir. :) O que me passou a angustiar foi a morte como resultado de sofrimentos longos. Não tanto a morte como resultado, mas como processo.
Identifiquei-me imenso com este post. As viagens de carro, a certo ponto, traziam-me de tal forma minutos de pensamentos negros que passei simplesmente a evitá-las e a andar de transporte, coisa que mudou com a chegada do meu pacotinho Gabriel - agora ando a conduzir a cantar para ele.
Se por um lado gostava de morrer sem sofrimento, por outro lado a morte súbita assusta-me. Não podemos despedir-nos, dizermos últimas palavras, serenarmos os ânimos de quem ficará.
Com uma filha constantemente a conversar e a cantar atrás de mim, não tenho sequer tempo para uma bufa de condução, quanto mais para pensamentos profundos...
e prestar antes atenção à estrada?? :D
As filas de trânsito tÊm esse "poder".
beijinho.
Eu quando conduzo só "penso" nas luzes/pára-choques do gajo que vai à frente (deixá-las para trás o mais depressa possível, não vá ele estar também ocupado com pensamentos de vida/morte)
E qual é o local favorito?
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