Início dos anos 90. Uma pequena vila no Norte de Portugal. Não sei se se lembram, mas foi por esta altura que surgiu a febre da iluminação de todas as casas de Deus. Grandes, pequenas, na cidade ou no campo, todas as igrejas, santuários, capelas começaram a estar iluminados por potentes holofotes. Terá sido marketing da igreja católica? Não sei.
Mas escrevia eu. Estávamos no início dos anos 90 e nessa pequena vila onde morava existe uma pequena capela, no cimo de um pequeno monte (o monte do Sr. do Calvário. Porque será?) que preside a toda a aldeia, como um vigia da moral e dos bons costumes, um farol que ilumina os habitantes no caminho da santidade. Eu morava no sopé desse pequeno monte. Naquele tempo, o melhor do nosso ano era o verão! O calor trazia os amigos para fora das casas até altas horas da noite e a vila estava cheia de emigrantes. Franceses, alemães, suíços, mas também os lisboetas. Ficávamos na rua até de madrugada, na conversa e esperávamos até que a padaria fornecesse o pão quentinho para esse dia. Cerca das 5 da manhã comíamos pão de trigo quente com manteiga e cerveja!
Numa dessas noites, que acabou mais cedo, dirigi-me a casa com um amigo que vivia perto. No fundo do dito monte de santidade existe uma fonte. Parávamos sempre ali para aliviar a sede e queimar os últimos assuntos de conversa. A capela iluminada vigiava-nos do alto da sua austera moralidade. Encostados à parede fria da fonte, eis que vemos sombras a movimentarem-se nas paredes da capela. Ficámos alerta. Duas grandes sombras de formas humanas pararam na fachada do edifício. De mãos dadas, deu para perceber que era um homem e uma mulher. Ficaram assim por instantes e depois as sombras fundiram-se numa só sombra. Ficámos sem saber quem era quem. Largaram-se e ficaram de frente um para o outro. A sombra masculina esticou os braços em direcção ao céu e a feminina abraçou-a, colocando a sua cabeça com longos cabelos junto ao peito. Nesta altura estávamos já calados e imóveis.
A sombra feminina deslizou pelo peito da masculina, a sua cabeça estava ao nível da pélvis da outra, sombra masculina essa que colocou as mãos nos seus flancos, como um toureiro que provoca o touro. A sombra masculina iniciou uma série de movimentos cervicais que, ora afastavam ora aproximavam a sua cabeça da pélvis da sua congénere masculina. Logo nos apercebemos que não estava com certeza a dar-lhe cabeçadas, tal era a posição descontraída da sombra masculina, agora com o tronco curvado para trás.
Olhámos um para o outro e, sem trocar palavras, desatámos a correr pelo monte acima. Ambos com os músculos da face contraídos, num esforço para conter as gargalhadas que sabíamos estarem aprisionadas por ambos!! Ao abrigo da noite e das árvores, rapidamente alcançámos uma posição privilegiada para melhor observar os pombinhos. A identidade de ambos surpreendeu-nos uma vez que ele era um dos "betinhos" da terra, que nem sequer se misturava connosco e ela vinha de uma das famílias mais humildes da vila. Num impulso incontido, o meu amigo gritou um sonoro e subtil "MAMA!!!" que ecoou na noite. Ela desapareceu nas sombras por trás do edifício e ele estacou enquanto compunha as calças. Ficou petrificado!! Nós corremos pelo monte abaixo, com as lágrimas a correr pela face enquanto ríamos que nem loucos. Fizemos um cagaçal tremendo. No outro dia, toda a gente daquela rua falava dos delinquentes, dos drogados que tinham andado a correr aos berros pela rua abaixo!!
Os dois intervenientes desapareceram dos locais públicos durante uns dias, mas esse foi o assunto mais falado nesse verão!!
Moral da história: já ouviram falar de sombras chinesas?? Pronto, o princípio aplica-se a tudo, ok? A tudo.
2 comentários:
Miguel mas tu... Tu és de Idanha-A-Nova?
Ah como são boas as recordações de infância em que tudo, inclusivamente gritar MAMA e fugir, era uma verdadeira aventura :)
Eras um pestinha...coitados, interrompest assim os pombinhos :P
Bjoquinhas
Enviar um comentário