Ontem um colega teve esta observação: "Estás divorciado da profissão, não estás?". E isso fez-me pensar: na realidade, estou.
Contextualizando, o que se passa é que o meu nível de investimento académico na enfermagem é zero, nenhum, vazio. Entenda-se por "investimento académico" a frequência de cursos, pós-graduações, mestrados, especialidades. Que, na minha opinião são, na área da enfermagem, absolutamente cosméticos. Ou seja, ficam muito lindos no currículo mas não servem para nada! Do ponto de vista da progressão e diferenciação na carreira não servem de nada. Acabando-se os "hospitais do estado" que dão lugar aos "hospitais-empresa", os enfermeiros ficam todos ao mesmo nível, sendo que são nivelados por baixo. Não interessa se sou especialista porque a administração do hospital não escolhe por competências mas sim por compadrio, cor política, ou, na maioria dos casos, escolhe para Enfermeiro-Chefe, ou Supervisor ou Coordenador, aquele profissional que garanta não por em causa a política economicista do Administrador e engendre esquemas que permitam produzir mais com menos enfermeiros. Isso significa mais trabalho para menos enfermeiros. Neste contexto, de que vale investir na formação académica?
A realização pessoal, dirão provavelmente muitos de vós. A questão aqui é a seguinte: eu não ando a trabalhar para aquecer, nem porque gosto de trabalhar e muito menos porque sou apaixonado pela prestação de cuidados de enfermagem! Não. Eu trabalho porque tenho responsabilidades familiares e considero uma parvoíce prejudicar a família (em tempo e em economias) em prol de uma formação que, na prática não me dará retorno nenhum! Para que tenham um exemplo do que falo: um colega meu, mais novo, encontra-se actualmente a fazer uma especialidade em enfermagem para que aumente as suas probabilidades de entrar como contratado num hospital (ele é "recibo verde") mas a trabalhar como enfermeiro de nível 1. Ou seja, um generalista em início de carreira! Isto é a promoção do "currículo a metro" e o enriquecimento das escolas de enfermagem que, cada vez mais, abrem cursos de especialidade que depois vendem a preço de ouro a enfermeiros desempregados ou em situação precária, acenando-lhes com a hipótese (sublinho, a hipótese) de poderem ser contratados (a termo certo, claro) por um hospital qualquer que lhes vai pagar o base do início de carreira. E eu não trabalho para sustentar pançudos.
Num outro nível, o dos cursos de pequena duração ou "workshops" temos outro grande embuste. Existe por aí uma instituição que ministra curso tais como enfermagem forense e enfermagem podológica! Mesmo para os leigos penso que isto deve soar ridículo! Na prática, há pessoas que pagam (e bem!) e despendem o seu tempo a tornarem-se nos CSI Nurse (atenção que não há enfermeiros envolvidos em investigações forenses nem se prevê que algum dia haja!) ou então a aprender a limar as unhas dos pés! Ridículo. A Enfermagem actual em Portugal é ridícula.
Mas este divórcio da profissão e dos seus representantes não significa o divórcio dos meus parceiros de trabalho do dia-a-dia. Há excelentes enfermeiros em Portugal. Profissionais de excelência que a Profissão não valoriza e que a opinião pública não reconhece. E, este divórcio, não significa também o divórcio dos doentes. E é aqui que reside o meu investimento (ainda que indirecto) na profissão. Ao nível dos cuidados directos aos doentes através da revisão bibliográfica de conhecimentos já apagados, da pesquisa de novas técnicas de tratamento e abordagem aos doentes, através da discussão com os colegas e com outros profissionais (sim, os médicos) que têm muito para nos ensinar. Mas isso não entra no currículo, não é valorizado. Mas enfim, considerando que o currículo vale zero e, zero x zero = zero, acho que vou manter a minha linha de evolução académica!
Agora vou trabalhar que não me pagam para estar a escrever divagações desiludidas e sem piada para um público que até se está nas tintas para o enfermeiros!!
12 comentários:
Oi! Sou recém licenciada e acredita no k lhe digo, durante os estágios do curso fiquem com uma ideia da especialização que um dia gostaria de tirar. Mas agora findo o curso e mm durante o último ano de curso, mudei a minha opinião principalmente quando em Setembro foi aprovada a nova "carreira" de Enfermagem. Qual a vantagem de tirar uma especialização, gastar totes de dinheiro, quando nunca nem pela minha Ordem serei reconhecida como Enfermeira especialista. Já nem quero tocar, na minha opinião, na ridícula "carreira" de enfermagem. Enfermeiro principal e enfermeiro?! mas que treta é esta?! mais valia colocar enfermeiro de primeira e enfermeiro de segunda!!
Era substituir "enfermeiro" por jurista e estudos de enfermagem por direito, e podia ter sido eu a escrever isto. Porque é tal e qual: um gajo tem experiência profissional, investiga e estuda para resolver os problemas que aparecem, e nada disso é valorizado. Toma lá mestrado e cá vai disto. Uma treta. prefiro gastar o meu dinheiro e tempos livres noutras coisas.
~Mas este ano vou mesmo fazer uma pós-graduação. É curriculo, mas também lá vou aprender qualquer coisa, caso contrário ficava em casa.
concordo a cem por cento. pouco tempo depois de entrar para o curso comecei a ficar com essa ideia, tanto e' que poucas foram as jornadas/conferencias a que fui. Agora que estou a acabar(ja devia ter acabado..) ainda mais convicto estou e porque não, também indignado, com a "mafia" em que se tornaram as escolas de enfermagem, publicas ou privadas.
Se quisesse acho que não conseguia arranjar melhor maneira de expressar a minha opinião... que é exactamente a mesma que a tua... Post muito bom...
Assino por baixo. Talvez por isso esteja a pensar deixar enfermagem em breve, é só uma questão de meses.
Cansei-me de trabalhar para o boneco.
Beijocas
Concordo totalmente... A nossa carreira é ridícula.
Antes de seguir para enfermagem aconselharam-me a ponderar e seguir ou outra área.
Sempre foi o que quis fazer, e não me via a fazer outra coisa.
Mas a verdade é que se estamos à espera de sermos compensados justamente pelo trabalho que fazemos, bem podemos esperar sentados. Em Portugal, valemos 0. Com ou sem currículo de 100 páginas.
É triste, mas é a realidade. Estou a 90% de probabilidade de emigrar, já que sou recém-licenciada. Hajam países que nos dêem mais mérito, já que aqui somos lixo.
É muito triste que assim seja mas ainda bem que há quem tenha a racionalidade de o reconhecer.
Quanto aos "emigráveis": há muita, muita procura de profissionais de saúde nos EUA.
http://saudeeportugal.blogspot.com/2010/08/formacao-paga.html
Boa tarde Miguel
Acho que estas palavras poderiam ter sido proferidas por um grande numero de enfermeiros por este país fora. Há anos que desiti de fazer o curriculo crescer apenas para o medir a metro. Agora a minha formação é selectiva (se me permitir aprender algo de novo) e não inclui mestrados ou especializações!!
No entanto na prestação de cuidados - não facilito e quero aprender todos os dias!
Obrigado por exprimir de forma tão eloquente aquilo que muitos dos seus colegas de profissão também pensam!
Cumprimentos
A.Silva
Totalmente de acordo quanto a pagar formações e a "fazer currículo a metro" mas daí chamar-lhe desinvestimento na profissão...
Mas refere que não faz absolutamente nada em prol da formação académica porque não lhe dá dividendos.
Nada mais errado!
E esse é o grande problema dos Enfermeiros.
Pretendem dividendos imediatos, a curto prazo e nada querem dar em troca que mais não seja trabalho operário.
O trabalho operário é razoável, mantém as coisas a funcionar... mas não faz evoluir, nem a si nem a profissão nem a qualidade geral dos cuidados de saúde...
Como é que mostra essa tentativa de melhoria através dos moldes que referiu?
"Ao nível dos cuidados directos aos doentes através da revisão bibliográfica de conhecimentos já apagados, da pesquisa de novas técnicas de tratamento e abordagem aos doentes, através da discussão com os colegas e com outros profissionais (sim, os médicos) que têm muito para nos ensinar"
Assim salva uma vida de cada vez... mas se divulgasse o seu trabalho, nos moldes formalmente aceites: investigação, publicação de artigos, envolvimento em comissões ou entidades promotoras de criação de guidelines por exemplo, chegaria a mais do que uma vida de cada vez.
E aí pensaria... mas eu estou a ajudar os "meus doentes"... Se quer realmente ajudá-los deve mostrar quais são as melhores práticas...
Quem não concorda é porque realmente está divorciado da profissão e desistiu de melhorar a sua vida.
Eu até aceito que não queiram mais do que já têm mas não digam que mereceram mais.
Falou de que tem muito a aprender com os médicos... Não acha que está na altura de retribuir o favor? Se eles chegaram onde chegaram foi porque fizeram mais do que o que lhes compete. Sabe... eles não se limitam a estudar (já que falamos em generalidades falamos também no todo: os médicos por assim dizer) eles fazem por divulgar informação (os intuitos são umas vezes nobres outras nem por isso)...
Não se esqueçam que somos uma profissão nova (no estatuto de profissão qualificada e superior) e que temos muito preconceito contra nós mas acima de tudo é autopreconceito e alguém tem de desbravar caminho... Não esperem que sejam os outros a fazerem-no por vocês...
Eu não quero chegar ao fim da minha vida e dizer que não tentei... estaria a dar um péssimo exemplo aos meus flhos...
Um pai que só se queixa do trabalho, do que ganha, do que faz... ou troco de profissão ou luto... Resignar-me é a arma dos fracos...
Tenho dito
http://saudeeportugal.blogspot.com
Quem não concorda é porque realmente está divorciado da profissão e desistiu de melhorar a sua vida.
Eu até aceito que não queiram mais do que já têm mas não digam que mereceram mais.
Falou de que tem muito a aprender com os médicos... Não acha que está na altura de retribuir o favor? Se eles chegaram onde chegaram foi porque fizeram mais do que o que lhes compete. Sabe... eles não se limitam a estudar (já que falamos em generalidades falamos também no todo: os médicos por assim dizer) eles fazem por divulgar informação (os intuitos são umas vezes nobres outras nem por isso)...
Não se esqueçam que somos uma profissão nova (no estatuto de profissão qualificada e superior) e que temos muito preconceito contra nós mas acima de tudo é autopreconceito e alguém tem de desbravar caminho... Não esperem que sejam os outros a fazerem-no por vocês...
Eu não quero chegar ao fim da minha vida e dizer que não tentei... estaria a dar um péssimo exemplo aos meus flhos...
Um pai que só se queixa do trabalho, do que ganha, do que faz... ou troco de profissão ou luto... Resignar-me é a arma dos fracos...
Tenho dito
http://saudeeportugal.blogspot.com
Actualmente o curso de Enfermagem está muito banalizado...abriram muitas vagas, muitas escolas sem se pensar nos profissionais que destas saem.
É verdade que dada a situação do país, que ter ou não um mestrado ou a especialidade, o retorno económico não aparece, no entanto, penso que é fundamental as pessoas irem se formando, para estar atento às novas teorias e ao que vai acontecendo. Dizer que não quer fazer "curriculo a metro" é uma completa desculpa, para quem está acomodado no seu papel de Enfermeiro.
Realmente na prestação de cuidados pode ir evoluindo e ir pesquisar na literatura...mas então porque não faz um trabalho de investigação e divulga os resultados?...dá muito trabalho ou simplesmente porque é fácil criticar?
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