O local são as Docas, em Lisboa, 6 e 30 da manhã. Ao chegar ainda lá estavam algumas centenas deles, espalhados pelas pedras da calçada, pelos passeios, ainda a abanar-se freneticamente dentro de pequenos covis semi-iluminados. E era só um de mim, de calções, t-shirt, sapatilhas de corrida. E eis o encontro de duas espécies que raramente se cruzam.
Se eu já estava à espera de os encontrar, já eles olharam-me com estranheza, surpresa e algum gozo pelo meio, através dos seus olhares esgazeados. Um fulano a correr, às 6 e 30 da matina pelo meio de uma pequena multidão numa das zonas mais movimentadas da noite de Lisboa é algo demasiado inédito para aqueles cérebrozinhos cansados processarem, lá me deixaram passar no território deles (era noite ainda, logo era deles).
Ultrapassada a multidão, o rio Tejo tornou-se meu companheiro, ouvia o seu murmúrio nos silêncios que o meu iPod me oferecia entre canções demasiado barulhentas e agressivas para aquela hora da manhã (e daí, talvez a multidão que deixara para trás discordasse de mim!) mas absolutamente necessárias para manter a motivação. Disse olá ao Padrão dos Descobrimentos e adeus à Torre de Belém, passei pela Estação de Comboio de Algés e os poucos e sonolentos passageiros que aguardavam olharam-me com desprezo. Como se a minha corrida matinal fosse uma ofensa ao cansaço que ostentavam nas suas faces. Voltei para trás, reencontrei o Rio e, com ele o Sol que nascia. Se há momentos sublimes então aquele foi um deles. Só eu, o Rio, o Sol e a Ponte que nos guardava. E assim ficámos, os quatro, a correr sem pensar em mais nada. Cheguei às Docas, os "nocturnos" tinham sido espantados pelo Sol. Respirei o ar ainda fresco. Olhei o Rio, o Sol, a Ponte uma vez mais e fui trabalhar. São agora 8 da matina.