quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

A brincar, a brincar...

Ora bem, isto hoje é aproveitar que o Espírito de Natal não quer ninguém doente nem magoado.
Então, dizia eu, hoje lá me apareceu uma velhotinha com um entorse num pé (têm sido ás carradas as entorses já que a neve chegou e aquilo é coisa gira e tal mas escorrega que se farta) e consulta práqui, Rx práli, lá regressou ao seu lar. Estando sozinha no hospital lá empurrei a cadeira da senhora até á recepção das Urgências e pedi que lhe chamassem um táxi. Estacionei-a junto do pinheiro de Natal que alegra um pouco aquele espaço e acabei por lhe dizer:
-Minha senhora, deixo-a aqui ao pé da Árvore de Natal. Olhe, aproveite e leve uma prendinha!
Convém esclarecer que a árvorezeca tinha montes de caixas (vazias, provavelmente caixas de transportar as fraldas) embrulhadas e com lindos laçarotes espalhadas junto a ela.
Até aqui tudo bem, adeus minha senhora bom natal e as melhoras, obrigadinho senhor enfermeiro para si e para os seus também. Volto para o meu local de trabalho e poucos minutos depois toca o telefone.
-Olhe, desculpe lá, mas foi o senhor que acabou de trazer uma senhora de cadeira de rodas aqui prá sala de espera?
-Fui, fui.
-Então e você foi-lhe dizer que ela podia levar um presente da árvore?!?
- Mas foi a brincar... aquelas caixas não tem nada... certo?
- Mas ela acaba de tirar um peluche da árvore! Eu disse-lhe que ela não podia tirar e ela disse-me que você lhe tinha dado autorização.

Nesta altura não consegui evitar uma gargalhada.

- Isto não tem piada! Você não pode dizer essas coisas aos doentes!
-Pronto, pronto... eu trago um peluche lá de casa...
-Não é preciso.

Realmente, estes suíços têm o sentido de humor de um calhau.

domingo, 18 de dezembro de 2011

De volta ao básico.

Neva em Lausanne. Dou por mim muitas vezes a questionar porque raio me sinto tão bem aqui. Nem o clima, nem a Língua (bem, por vezes torna-se cansativo falar Francês o dia inteiro!), nem as diferenças culturais me afectaram por aí além. Perguntam-me muitas vezes qual tem sido a maior dificuldade com que me tenho deparado por aqui e agora, quase três meses depois, a minha resposta é clara: o Síndrome "Big Brother".
Trata-se da observação constante por parte dos colegas, da vigilância informal por parte dos chefes, do escrutínio constante, de ter de provar todos os dias que sabemos o que estamos a fazer. Para alguém com pouca experiência a pressão pode ser positiva, mas para alguém que em Portugal tinha uma posição confortável e destacada na equipa, isto pode ter um efeito pernicioso. O da desmotivação. Por isso trato de fazer tudo bem, confirmar e reconfirmar todos os passinhos dados, ler e reler processos e as notas que eu próprio escrevi, estudar protocolos e directivas, rever técnicas e medicamentos. Coisas que seriam naturais em Portugal, automáticas, aqui são feitas como se tivesse acabado de me formar.
Esta exigência que me coloquei a mim próprio tem tido efeitos muito positivos. Volto ao básico para me tornar num melhor enfermeiro, mais ciente daquilo que faz, com mais informação para decidir. Mas são tantas coisas para ver, para consultar, para saber! É um trabalho de alguma forma frustrante porque não é visível. E é frustrante também porque vejo colegas que estando vários níveis abaixo, em comparação comigo, com a qualidade do meu trabalho (perdoem a imodéstia),  me olham de cima. É o problema de ser o "gajo novo".
Enfim. São agora 23:30 em Lausanne e estou no Hospital até ás 7 de amanhã. Em vez de estar aqui a debitar parvoíces vou mas é estudar!

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Quem arrisca às vezes f... lixa-se.

Ainda acerca da história de encontrar casa em Lausanne. Se por um lado é difícil encontrar casa, trocar de casa também não é propriamente um "dia de praia" (ei! acabei de patentear a versão portuguesa de "a walk in the park"). Na verdade os contratos são bastante fechados quanto à sua resiliação: temos que avisar o senhorio com 3 ou 4 meses de antecedência relativamente ao final do contrato ou então encontramos um substituto que esteja disposto a ficar com o apartamento, nas mesmíssimas condições que nós. Ora aqui o espertalhão teve o seguinte raciocínio: "bom, se há assim tanta falta de casas na cidade, se tanta gente procura durante tanto tempo, não deve ser difícil encontrar um substituto". E zumbas, toca a procurar casa nova!
Casa nova encontrada, publicidade à casa onde ainda estamos, internet, folhetos lá no hospital e tal e, mais de uma dezena de visitas depois... NÃO HÁ AINDA NINGUÉM INTERESSADO NESTA CASA!!!! Mas tá tudo louco? Então... então mas... uma casinha tão jeitosa? Oh meus amigos, é que hoje já é dia 14 e não me apetecia nada pagar duas rendas no mês que vem! Olha que bela maneira de começar 2012, a pagar...

Iiiirra!

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Arrepio, arrepio, arrepio.

Ainda não me aconteceu ter um caso desses. Os meus colegas dizem-me que não é muito comum mas que, infelizmente, acontece. Na verdade, dei-me conta de que na verdade não estou a salvo de, um dia receber uma criança na Sala de Reanimação. Temos um canto da sala completamente preparado para cuidar de crianças, com todo o material em tamanho pediátrico e, na volta de controle de material que fazemos todos os dias também temos de controlar a zona pediátrica. E tocou-me o facto de haver pijaminhas de criança e pequenos "bodys" para recém-nascidos num local tão agressivo, frio e impessoal como aquele. Simplesmente nenhuma criança deveria ter de entrar num sítio como aquele e, acima de tudo, morrer num sítio como aquele.
Sim. Eu escrevi "morrer". E, de uma forma muito suíça (e muito bem, digo eu), existe uma norma institucional de "Como proceder em caso de morte de uma criança na Sala de Reanimação". Tudo muito esquematizado: limpar a criança, vestir-lhe um pijama, organizar a capela mortuária para receber o corpo, informar a família, acompanhar a família. Tudo muito certinho, o que fazer, quando fazer, onde fazer. E nós? Como lidar com a morte de uma criança? Como ajudar os pais a suportar tamanho sofrimento sem que, nós próprios soframos também?
Não estou preparado emocionalmente para lidar com algo assim. Que todos os dias me confronte com a minha própria mortalidade, pouco a pouco vou integrando essa ideia em mim. Que tenha de projectar a mortalidade dos meus filhos (arrepio) na morte violenta de uma criança... Cada vez que me calha fazer o controle da zona pediátrica, nesses dias é quando abraço os meus filhos da forma mais intensa, como se o meu abraço os pudesse proteger. De tudo. 

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Sorte do Caraças, é o que é!

Desde que lhe disse que vinha para a Suíça, a minha cara compincha de escrita Ana C. me disse que achava os Suíços um bocado nazis. É capaz de ter razão.
Por estes lados é muito difícil encontrar casa para morar porque enfim, as casas disponíveis são poucas! E eles recusam absolutamente aumentar a periferia das cidades e ocupar os espaços "verdes", não há cá construção indiscriminada de mamarrachos no meio das montanhas! O que quer dizer que, ao contrário do que se passa em Lisboa, que o centro da cidade de Lausanne (e calculo que das outras cidades também) está cheio. Cheio e vivo! Porque, ao contrário do que se passa em Lisboa, as pessoas vivem no centro da cidade, há mercados e supermercados dentro das cidades, há pequenas lojas familiares, cabeleireiros, os correios, relojoarias, pastelarias, escolas e lojas de skis e a cidade não morre à noite e ao fim-de-semana porque, enfim, a malta mora a 30 km nas Amadoras, Alcochetes e Quintas do Conde periféricas.
O problema é... encontrar uma casa! Quer dizer, todos os dias surgem anúncios de casas para alugar mas aqui o processo de encontrar casa é um pouco diferente de em Portugal. Aqui nós candidatamo-nos à casa! Estranho? Pois. Consultamos os anúncios, visitamos a casa e se interessados, entregamos um dossier de candidatura na agência imobiliária responsável. E esse dossier contém: documentos de identificação, documentos da entidade patronal como contrato de trabalho e os 3 últimos recibos de vencimento, o visto de residência (para os estrangeiros), declaração do "tribunal de dívidas" do cantão onde consta que não devemos nada a ninguém e só fica a faltar uma árvore genealógica até a 10ª geração! Entregamos e... esperamos. O mais certo é não obtermos resposta o que quer dizer: azarito, a casa foi atribuída a um gajo qualquer que não tu!
Mas voltando à conversa dos Nazis: quais são os critérios de atribuição das casas? Ninguém sabe! É ao critério das imobiliárias e dos proprietários dos imóveis. Imagino que o salário auferido deve ser determinante e se houver suíços interessados esses também devem ter prioridade (é uma política cá da casa, dar prioridade aos nativos. E muito bem, digo eu!), o facto de haver crianças também é muitas vezes eliminatório, idem para animais. Mas toooooda a gente me diz que levaram entre 3 e 6 meses a encontrar casa em Lausanne. Pois eu devo ser um gajo com um charme do caraças!
Então não é que encontrei a casa onde estou actualmente ao final da minha 2ª semana de Suíça? "Milagre" exclamaram os meus colegas mais antigos, "sorte de principiante" alvitraram outros, "nunca mais te acontece" advertiram ainda uns terceiros. Pois bem, não estando contente com o meu actual apartamento, eis que me lanço no início de mais uma demanda de um apartamento mais conveniente. E sabem que mais? Ao fim de duas semanas de procura, eis que me ligam de uma imobiliária dizendo "Monsieur Miguel, o apartamento situado na avenida X foi-lhe atribuído". AHAHAHAHAHAHA!!
Um apartamento situado a 5 minutos a pé da escola do Gabriel, a 15 minutos a pé do meu trabalho, com autocarro para o centro da cidade à porta e 3 supermercados, os correios e o meu banco à porta!!!
Bem, se os suíços são um bocado nazis então a minha foto deve dar ares de um certo "arianismo" do alto do meu 1,78m e com os meus loiríssimos cabelos pretos e os meus olhos de um castanho azulado!!