Como podem facilmente constatar pelo "cartoon" que serve de cabeçalho a esta página (Bill Watterson, és genial!) a minha relação com Deus é pautada por algum cepticismo. Não negando a Sua existência no essencial, não posso afirmar que sou um ateu empedernido e irredutível. Já houve tempos em que sim, em que era completamente descrente. O meu problema não é com Deus (enfim, chamo-lhe Deus por conveniência cultural mas poderia usar outro termo qualquer) mas sim com a sua Igreja. Quer-me parecer que, a existir um Deus, uma entidade superior que tudo rege e tudo domina, ele deve estar muito desiludido com a Igreja que, supostamente, ele próprio mandou fundar através do seu filho, Jesus. A primeira questão com que me deparo prende-se com o facto de Deus não ter mão nos seus cordeiros o que não abona muito em favor da sua publicitada omnipresença e omnipotência. Que Jesus tenha existido não me choca. Num tempo marcado pelo misticismo, pela ignorância, pela pobreza, pela doença e pela morte, era fácil a qualquer homem que dominasse a arte das palavras arregimentar seguidores, principalmente se esse homem não pedisse nada em troca a não ser Amor e Misericórdia. Os milagres? Enfim, quem conta um conto acrescenta um ponto e todos sabemos que o poder da sugestão é enorme. O resto é a história de um homem perseguido pelos poderes instalados por ser uma ameaça aos seus interesses. Nenhum filme ilustra melhor esta história que "A Paixão de Cristo". Esse é um filme não sobre Cristo em si mas acerca dos Homens através dele, de Jesus. E o que fizeram os Homens? Humilharam, bateram, torturaram. Quantos estavam, declaradamente ao lado de Jesus na hora da sua morte? Meia-dúzia deles. Eu saí da sala de cinema agoniado. Não pela violência gráfica montada por Mel Gibson mas antes pela visão das atrocidades cometidas pelos Homens que, sendo ficcionadas, têm sido repetidas ao longo da História.
O meu problema com a Igreja Católica é que ela, enquanto organização, não reflecte os valores que prega. Esta organização tem toda uma hierarquia rígida, regras apertadas e funciona com base em dogmas. E dogmas, por definição, não se discutem. Não existe ali espaço para a discussão, para o debate, para o crescimento com base no diálogo. Por muito que me digam que se fala e se dialoga muito o que eu vejo é que sim, há diálogo desde que a conclusão fique dentro dos limites impostos e da doutrina vigente. Todo o pensamento que está contaminado por uma determinada doutrina é limitado. Depois existem ainda as influencias mais ou menos conhecidas da Igreja em Governos, Empresas, na Política e na Economia. Enfim, a Igreja tem uma história rica em episódios de violência, traição, tortura, guerra, assassínio em massa. Sendo construída por homens e conduzida por homens, a Igreja é imperfeita tal como eles. Tal como nós.
Tenho acompanhado esta visita papal com o olhar dos críticos, confesso. Não condeno nem critico a fé dos milhares de peregrinos que têm seguido este Papa. O mesmo Papa que, quando designado foi tão criticado por muitos dos que agora o veneram. "Porque tem uma face fechada,. Porque não ri. Porque não beija o chão quando sai do avião. Porque usa sapatos Prada. Porque pertenceu à Juventude Hitleriana. Porque é muito conservador." Hoje ouvi uma senhora com ar embevecido de quem está em êxtase espiritual afirmar o seguinte: "Isto é lindo! Tudo é lindo! Eu não gostava deste Papa, não se ria, não era simpático. Mas hoje estive mesmo ao pé dele! Ele é lindo, é um grande Papa! Estou aqui (em Fátima) desde dia 11. Dormi aqui, não tenho vontade de sair daqui, não sinto a chuva! Estive ao pé deste Papa e ele tocou-me com o olhar." De facto, o poder da sugestão, aliado a um elemento cénico e gráfico muito forte, pode mudar muito as opiniões das massas. E operar milagres.