A Carla Isabel coloca, e muito bem, a seguinte questão na sequência deste texto: "pois..esse acabou menos bem...olha uma pergunta:e como é o vosso depois???depois de perceberem que acabou?" A resposta mais simples, a mais evidente é a seguinte: fácil. Tiram-se os tubos e os catéteres, limpa-se o defunto, preenchem-se meia-dúzia de papéis e siga para a morgue. Mas eu não gosto de descrições simples...
Para mim (não sei como se passa para os outros) o depois é sobretudo tristeza. Não a tristeza obliterante, incapacitante da perda de alguém querido mas mais uma tristeza observada. Observada no corpo. E não consigo deixar de me perguntar e de me admirar com o contraste Vida / Morte. Como é possível que a simples paragem dos sistemas corporais seja tão evidente, tão marcante.
O que me enche de tristeza é, primeiro que tudo o baço dos olhos mortos quando ainda pouco antes havia brilho, havia vida. O que se perdeu? Não pode ter sido só o facto que o sangue parou de circular. O contraste do vermelho (precisamente) vivo da língua com aquele magenta mortiço que vem depois. As pontas dos dedos cinzentas. A boca aberta como se presa num grito que nunca chegou a sair. O que foi que se perdeu? Não pode ter sido só sangue e oxigénio, sinapses e estímulos nervosos. Não.
Todas as mortes a que assisto me fazem pensar nisto. Não deixo nunca de parar um momento a olhar para a pessoa que se foi. Por incrível que pareça, é a contemplar a Morte que tento perceber o que é, na verdade, a Vida.