quinta-feira, 25 de junho de 2009

Não é feitio...

... é mesmo defeito! Se há área da saúde (doença) onde eu seria incapaz de trabalhar, ou, no mínimo muito infeliz e desmotivado, seria a área da Psiquiatria. Por várias razões mas, principalmente porque não consigo colocar-me na pele desses doentes. Por isso, porque não seria um bom enfermeiro nessa área, espero que nunca tenha de nela trabalhar.
Infelizmente, elas andam aí. As loucas. No feminino porque a maioria destes doentes são mulheres. No meu entender nem se pode dizer que sejam doentes, no verdadeiro sentido da palavra. Estão deprimidas, de mal com a vida, são mal amadas e não gostam de si mesmo. O problema é que os médicos carregam-nas com anti-depressivos, ansiolíticos, indutores do sono e toda essa tralha que só as afunda. Afunda-as porque é a prova final de que elas precisam para assumir que estão doentes e precisam de fármacos para sobreviver.
Não tenho pachorra para estas doentes. Só hoje, dois exemplos:
-rapariga, 22 anos. Tremores generalizados e choro compulsivo à entrada. Episódios semelhantes recorrentes. Toma xanax para dormir e ansiolíticos durante o dia. Não sendo uma mulher vistosa não é feia. A mãe discorria sobre o facto de a filha ter ataques de ansiedade e andar sempre muito preocupada com a sua a sua saúde. Não tem nem nunca teve namorado. Enquanto a mulher falava eu só conseguia pensar que o problema dela é falta de sexo! Muito sexo! O tratamento que eu prescreveria seria "coito com orgasmo de 8 em 8 horas e masturbação em SOS".
-rapariga, 27 anos, casada, obesa. Vem ao hospital por febre (38,8º) com início hoje. O marido telefonou à mãe (dela) para a acompanhar (presumo que ele já não tem paciência para a aturar!). Na presença da mãe arrasta a fala e a marcha. A mãe ausenta-se e ela fala e anda normalmente. A mãe refere que ela já teve tentativas de "suícidio" (entre aspas, porque quem quer morrer dá um tiro na cabeça, atira-se da ponte 25 de Abril ou para debaixo de um comboio) por cortes nos pulsos. Pensamentos que me iam na tola: se eu tivesse a fisionomia de um hipopótamo também cortava os pulsos.
Enfim, eu sei que este espaço foi criado para enaltecer as minhas qualidades e excelente profissionalismo, para revelar como eu sou um tipo impecável, sensível e preocupado com os seus doentes mas estava na hora de revelar o meu lado mais negro. No fundo, sou um sacana.

23 comentários:

Naná disse...

Também concordo contigo: quem tem desejos de morrer, quando o faz, arranja maneira de ser definitivo e normalmente apregoa de forma muito subtil que o vai fazer. Não apregoa...
infelizmente tenho um exemplo dessas mulheres na família e fico piursa quando ela manda sms ao meu marido a dizer que se vai matar... chegou a perguntar ao irmão, meu marido, o que ele achava se ela se matasse no dia em que ele fazia anos?!
A ideia que me vem à cabeça é: se queres morrer, ao menos trata de o fazer de uma vez por todas, é melhor que andar a infernizar quem gosta dela...
e também acho que os comprimidos não resolvem nada. Passei por momentos mto complicados, e não me refugiei em bebidas ou comprimidos, apesar de desejar desaparecer no espaço etéreo...!
E ainda fico mais aborrecida quando ouço dizer que são uns «coitados/as»... pra mim coitados, são quem pede ajuda e ninguém aparece, não são aqueles que estão mal, têm mãos estendidas para lhe ajudar e recusarem, porque preferem viver no inferno a que se habituaram ou porque a ajuda que lhe oferecem não é a que eles querem!

Patricia disse...

Sou apaixonada e por carolice leio imenso sobre a nossa caixinha negra, vulgo cérebro, e as doenças do foro psicológico (porque são doenças) são mesmo fenómenos estranhos. Ri-me com o teu post, mas entenddo que infelizmente num mundo cada vez mais desligado, impessoal, stressante, com normas para tudo e mais alguma coisa, a depressão ataque cada vez mais. Já tive um caso na família, felizmente curado. Mas não posso dizer desta água não beberei.

S* disse...

O que a outra quer é peso. Uma bem dada e deixava os anti-depressivos. Irrita-me gente que precisa de se drogar a torto e a direito para conseguir viver a modos que normalmente. Nao percebo!! Posso estar a ser injusto, mas acho estupidez.

A do giz disse...

Pois mas as vezes também são os próprios médicos que nos metem isso na cabeça.
A cerca de 2 meses dei entrada nas urgências (não estava mais nada aberto, como sempre) estava cheia de dores nos braços, dos cotovelos para baixo, era evidentemente má circulação, e estava bastante tonta (dai ter ido ao hospital). Bem, exame de neurologia, raio-X ao pescoço, analise ao sangue pedida por engano (maldito sistema informático, tinha feito analises dois dias antes). Os exames não acusam nada, tensão normal, colesterol normal, claro recorrem a explicação mais fácil, depressão. Dão-me um relaxante muscular e mandam-me para casa.
Dois meses depois, tenho um dia bastante agradável e acontece o mesmo. Acredita estou tudo menos deprimida e mesmo assim quase não aguento as dores nos braços!

undutchablegirl disse...

És um sacana com muitaaaaaa piada! :-)

Lúcia disse...

Eu não gosto de menosprezar as doenças sejam elas de que nivel for no entanto tb a obesidade é uma doença ( mtas vezes com causas do foro neurológico )como sabe melhor que eu dado que a saude não é a minha área. No entanto, falo do meu caso concreto que passei mais de 1 ano c uma meningite sem diagnstico conclusivo ( por tuberculose ou sarcoidose ) e por causa das doses cavalares de
cortisona engordei 21 kgrs. Não engordei pq estava deprimida e se calhar se me cruzasse consigo nos corredores do hospital, poderia tb eu ser considerada por si como um hipopotamo, so que felizmente, aqui a hipo ( que entretanto já perdeu 24kgras e portanto já só me pode chamar de baleiazinha pois ainda assim antes disso já não era magra ) nunca foi ao hospital por ter problemas depressivos pela imagem exterior... o que me levava mto frequentemente ao hospital eram mm os exames, as punções lombares ( 8 por sinal ) e uma parafernália de coisas que não me faziam desejar morrer, pelo contrário, faziam me desejar safar daquela o mais breve possivel.
Hoje, com 24 kgrs a menos ( e ainda mais 15 para perder ) e c hipertensão intracraniana benigna relembro com tristeza os momentos em q profissionais de saude foram ignorantes relativamente à minha doença quando desde o 1º dia se soube que fosse qual fosse o diagnostico, não era " contagioso ".
Não considere como um ataque pessoal que ainda que " na sombra " gosto mto de o ler mas não se deixe enganar pelas aparências, que mtas vezes os casos pessoais não são tão superficiais qto possam parecer ;)

AnaRosemberg disse...

Wow enfermeiro Miguel... O teu lado lunar é muito cruel! Sobretudo tendo em conta que és "da saúde"... Ok, e mostra que não percebes muito da fisiopatologia das denças psiquiatricas... Mas como gosto do teu blog [;)] vou apenas assumir que nunca conheceste um verdadeiro doente psiquiatrico e por isso tens essa ideia de que o sexo resolve tudo... As b-endorfinas e companhia são reequilibradas, sim, mas NA, DA e companhia... Nem que não fizesse mais nada o dia todo...
Ah! E se leres um pouquinho (e é mesmo o básico da psiquiatria) rapidamente percebes porque há pessoas muito deprimidas que não se conseguem matar...
E isso dos obesos... Nada é assim tão linear... Fisiopatologia ;)
Opa, ler isto deixou-me msm triste, não queria nada q perdesses a credibilidade... Tinha-te em tao boa conta, parecias ter uma postura tão correcta na sua profissão... Mas pronto, conforme generalizaste eu tb generalizo para veres o qt isso é incorrecto: Enfermeiros... :P

Anónimo disse...

Boa tarde

Isto deve ser mesmo defeito... profissional!! É que também eu de vez em quando tenho esse tipo de pensamentos politica/ética/social e profissionalmente imperdoáveis! É verdade!! :)
A minha tolerância para a doença mental, nomeadamente a depressão é meramente sofrivel! E as tentativas de suicidio - as falhadas - daí o "tentativas", deixam-me desconcertada! É que como pacientes dão imenso trabalho, desde a urgência até á unidade de reabilitação (principalmente quando o método é violento)... deixam as familias de rastos, pela "vitima" e por uma enorme sensação de impotÊncia e vergonha!
Tenho em mente a tradução de um livro que já existe nos EUA que contem um ranking com as formas mais eficazes de cometer suicidio - não de tentar, de conseguir mesmo - e explica passo a passo cada um dos métodos! lol Depois da publicação os internamentos serão muito menos - a cada visita á urgência, em vez de uma caixa de prozac, xanax ou outros que tais -o dito livrinho!! ;)
Enviar-lhe-ei com prazer uma cópia!
Quanto ao resto só me apraz dizer que o melhor mesmo é prevenir: trabalhar bastante, estudar muito, ter muitos e bons amigos e ter a familia sempre por perto... ah sim, e sexo - bastante e bom! :)

Caro colega, adoro o seu blog e seria acertamente um prazer e uma animação trabalhar consigo... pena que esteja tão longe! :)

Cumprimentos cá do Norte

A Silva

Ana. disse...

A mim faz-me muita confusão pensar que um dia, uma parte de nós pode deixar de funcionar. E não sei o que é pior: se um corpo decadente numa mente perfeitamente lúcida, se uma mente tresloucada num corpo em perfeitas condições...

Acho que quem contacta com estes mundos merece um enorme aplauso, porque se fosse essa a minha profissão, enfrentaria diariamente um dos meus maiores medos: perder (por completo) o juízo ou o controlo do meu corpo.

O melhor mesmo é encarar isto com algum humor! Sempre aligeira a coisa!

;)

A papaqueijo disse...

Assino por baixo esses pensamentos mórbidos!
Sou pouco paciente com pessoas que têm como passatempo predilecto vitimizar-se.
Quem não tem contratempos e dá tropeços, se todos entrássemos em depressões profundas, este mundo seria o verdadeiro Magalhães Lemos à solta (desculpa esta comparação, mas dado que sou do norte… :)).
Continuação de boa escrita e, não pares de contar as tuas aventuras profissionais, (porque como grande amiga que sou de uma enfermeira), bem sei, que é um emprego rico em verdadeiras pérolas.

Bjs e paletes de queijos (motivos óbvios).

LICAS disse...

Mas será que as pessoas não conseguem ler um texto sem se sentirem perseguidas...
Por favor, foram 2 casos isolados que não significam que tudo seja incluído no mesmo saco!

Anónimo disse...

és um completo cepão

Miguel disse...

A do giz: a tua história é o exemplo daquilo que tentei transparecer no texto, se não se encontra nada nos exames é porque não existe dor, logo a paciente está louca!! Por isso digo que os médicos tendem a sobre-utilizar os medicamentos ansiolíticos e antidepressivos!

Miguel disse...

Cara Lúcia. Por aquilo que descreve acho difícil que, estivesse eu envolvido na sua recuperação, a identifica-se como louca. Pelo contrário, parece-me que enfrentou a situação com coragem e, permita-me, que a ultrapassou e manteve o seu sentido de humor("baleiazinha"?!?). Não leve isto de forma pessoal, o texto aborda um grande defeito meu (que conheço e tento reolver) que é ter muita dificuldade em empatizar com doentes do foro psiquiátrico, e apenas revelou os meus pensamentos.
Beijo.

Miguel disse...

AnaRosembrg: obrigado pelo comentário com essa perspectiva mais profissional! O meu contacto com doentes psiquiátricos resume-se a um estágio de 2 meses, durante o curso. Doentes agudos, bipolares, depressivos, esquizofrénicos, etc... Não pense que, para mim, é tudo a mesma coisa. Respeito muito e admiro quem trabalha com estes doentes, muito embora saiba que muitos profissionais têm sempre os SOS à mão e usam-nos indiscriminadamente...
Mas, se por um lado reconheço a minha dificuldade em lidar com os verdadeiros doentes psiquiátricos, já os depressivos é outra história. Para mim, o doente depressivo é aquele que está tão no fundo do poço que nem sequer tem vontade de se matar e que, logo que o efeito dos antidepressivos se inicia é encontrado morto porque finalmente ganhou as forças que precisava para concretizar as suas intenções de se eliminar, por considerar que não vale o suficiente para caminhar nesta terra. Por isso, fico incomodado com as histriónicas que me aparecem todos os dias a gritarem aos 7 ventos que estão deprimidas, coitadinhas. Penso que se banalizou a palavra "depressão" sendo que os profissionais têm muita culpa no cartótio. Eu também fico muito triste quando não tenho dinheiro para trocar de carro ou quando ando farto de trabalho, mas isso não faz de mim um doente. Humor depressivo todos temos! Um professor meu um dia disse-me que "os neuróticos constroem castelos nas nuvens enquanto que os psicóticos vivem nesses castelos!" Naõ tenho problemas com estas duas classes de doentes, apenas com aqueles que querem passar-se por eles...
Obrigado, um abraço.

Miguel disse...

Anónimo: o que é um cepão?? (não me parece que seja uma coisa boa mas...)

Miguel disse...

A todos os outros: obrigado por perceberem que se tratava de uma piada!!

Ana C. disse...

Aqui tinha duas hipóteses: Ou comentar sériamente este texto, ou gozar seriamente ao teu lado. Adivinha qual é que vou escolher :)
Seu grande sacana. Qualquer dia andas tu pelos corredores do hospital a gritar: Não limpo mais picha, não limpo mais picha!!! E a levar com ansiolíticos na veia. Depois não te queixes se eu escrever sobre ti no meu blog ;)

JBrito disse...

Muito bom texto, tendo en conta que há mais mulheres que homens isto tende a agravar...
MAS FALTA DE SEXO é genial!!
- O que tenho xô doutor?
- Ora deixe cá ver?
- Têm namorado?
- Não.
- Têm marido?
- Não.
- Têm tido relações sexuais os ultimos 6 meses?
- Ora tá aqui a morada cof cof a receita de um amigo/a meu/minha...têm desconto, mas não é da "caixa" diz que vêm da minha parte sim, e ele aplica-lhe a pomada, sim?

Lúcia disse...

Sim felizmente o sentido de humor nunca me abandonou, nem mesmo enquanto tinha a agulha enoooorrme a remoer-me a minha rica coluna ou a tocar-me no nervo....( pronto aqui confesso que não me ria ), nem mesmo quando fiquei " soprada " tipo peixe balão ou cheia de borbulhas tipo adolescente em plena fase crítica. Mas não menosprezo quem se entrega ao sofrimento... acredite que foi um exercício mental muito grande o não me deixar abater.
Bjnhs e n me senti ofendida, apenas não partilho totalmente ( que sim há coisas que acho perfeitamente superficiais para se considerar um problema ) do seu ponto de vista e por isso comentei... qd concordo não comento, lol não tenho nada a acrescentar que o Miguel prima por se exprimir bem :)

Nikky disse...

Pois esta é a única área da saúde em que eu trabalharia! A culpa é da Tv! Eu vejo o Mental na Fox. ;)

Anónimo disse...

Não deixo de discordar com a maioria do que o Miguel escreve. Porém, embora tenha feito deste texto uma piada, penso que não é muito correcto falar da tal rapariga de 22 anos como falou. Já frequentei o curso de Enfermagem (embora agora me encontre no curso Medicina) e não acho muito ético expor casos clínicos dessa forma. Mais não seja para dignificar a sua profissão e os seus colegas. Dizer "Não tenho pachorra para estas doentes" é mostrar que não está a ser um bom enfermeiro porque eu pergunto: quantos enfermeiros se encontram no desemprego e dariam TUDO para poder estar no seu lugar a tratar dessas doentes? Não o estou a censurar o que pensa, somente acho que as palavras que usou podiam ser um pouco mais delicadas.

Miguel disse...

Chacommel, obrigado pelo comentário. Quanto ao facto de expor casos clínicos aqui no blog, não é disso que se trata pois as descrições são de tal forma vagas e genéricas que penso não estar a expor ninguém. Acha que um bom enfermeiro (ou médico, já agora) está sempre com as reservas de paciência a 100%? Lamento, mas não é verdade e penso que vai descobrir isso muito rapidamente, logo que começar a trabalhar (welcome to the cruel world...). Na verdade, se há coisa que nos humaniza, e humaniza os cuidados é esta capacidade de reconhecer que não somos sempre bons com todos os nossos doentes. Os meus colegas (e os seus, já agora) que têm a pretensão que são muito compreensivos com os doentes e que
pensam ter alguma espécie de técnica de abordagem terapêutica tendem a ser uma bestas frias e calculistas (ooops, lá estou eu a ser pouco delicado!) De vez em quando devemos exorcizar os nossos defeitos, encará-los de frente para que possamos ser melhores colm os nossos doentes.
Quanto aos meus colegas desempregados... lamento imenso a sua situação de falta de emprego mas não me parece que o facto de eu ter pensamentos menos próprios para com alguns doentes seja motivo para despedimento.
Obrigado pelo comentário e boa sorte para o curso. Espero encontrá-la num qualquer hospital deste país para que possamos discutir melhor essa coisa da ética. Mas só quando começar a trabalhar a sério, porque a ética nos livros é uma e no terreno é outra.
Boas férias.