Existe aqui pela blogosfera uma certa "solidariedade" entre bloggers, uma espécie de irmandade onde "tu elogias o meu blogue, eu elogio o teu" que tem um certo ar de plástico, de artificial. Dito isto...
O que eu procuro num blogue não é a qualidade dos textos, o impecável domínio da Língua Portuguesa, as improváveis mas incrivelmente certeiras metáforas ou o refinado humor. Claro que tudo isso interessa mas, ao fim de algum tempo essas características não conseguem evitar um bocejo ou dois e, inevitavelmente acabo por deixar de visitar esse blog. Há muito tempo que não adicionava um novo blog à minha lista de leitura mas hoje fi-lo.
Como sempre nesta blogosfera, acabei por ir visitar este blog por sugestão de uma amiga de longa data desta blogosfera, a inevitável Ana C., muito embora já tivesse tropeçado nele uma ou duas vezes sem, verdade seja dita, lhe tenha prestado a devida atenção. E, um dia, a Ana manda-me uma mensagem dizendo "tens uma nova seguidora". Vou ver e deparo-me com palavras elogiosas acerca do "Cheirinho a éter...". Acho que o mínimo que se deve a alguém que nos elogia o trabalho é descobrir mais acerca da pessoa que nos elogia. E o que descobri foi algo de muito valioso. Textos simples, honestos, dolorosos, divertidos, reais de alguém com muita coragem. E, pegando na introdução que fiz a este texto, devo dizer-vos que, neste momento sigo não o blog mas a Pessoa. Alguém que não conheço pessoalmente mas que admiro pela perspectiva tão real mas, ao mesmo tempo positiva que ela consegue dar a uma situação verdadeiramente difícil.
Não posso dizer que partilho das suas emoções, que as vivo como se fosse o próprio a sentir mas entendo-a de uma forma muito particular. Na história deste blog, o blog de um enfermeiro que luta todos os turnos não só com as dores dos outros mas também com as suas próprias emoções, dificuldades e limitações, existem uns quantos textos acerca do cancro. Creio que todos são textos sombrios e frios, rudes e até crueis mas essas são as emoções que sinto (e ainda hoje o sinto) perante essa doença em particular. E não sou só eu. Ainda ontem uma médica me dizia, tendo por ponto de partida o desfecho trágico de uma doente que tinha tratado, que se algum dia fosse apanhada nessa guerra que tomaria medidas precisas e muito concretas e, digamo-lo sem rodeios, acabaria com a própria vida antes que o cancro a tomasse de assalto. É este o medo que nós, os que lutamos contra o cancro, temos.
Mas a Silvina fez-me perceber uma coisa muito importante e que mudou a minha visão e a minha maneira de cuidar os doentes com quem me encontro: não somos nós, médicos e enfermeiros e todos os outros profissionais, que lutamos contra o cancro. São os doentes! Como num combate de boxe, nós somos apenas os treinadores que os aconselham, os que lhes dão água e uma toalha, os que lhes limpam as feridas nos intervalos do combate enquanto os lutadores descansam mas sem deixar de olhar o ser adversário nos olhos. A Silvina semeou em mim, enquanto profissional da saúde, algo muito valioso. Por tudo isto, meus amigos, e não por "socialporreirismo" relativamente a alguém que me mencionou no seu blog, vos digo: vão ler estes Episódios de Radio.
E quanto a ti Silvina... espeta-lhe uma em cheio nos queixos e arranca-lhe uma orelha à dentada!!
8 comentários:
Também comecei a seguir a Silvina há pouco tempo...
Por vezes confesso que me é difícil ler os seus textos, porque me revolve as entranhas da memória e vai ao meu baú de sentimentos e emoções para me recordar a luta que a minha mãe teve durante cerca de dois anos e meio...
Adorei este texto, Michael Jordan. Adorei. Eu acho que ela não se apercebe bem do quanto é importante a sua perspectiva, de dentro para fora, para os que estão de fora.
E depois é uma perspectiva honesta, sem grandes paninhos quentes, com medos, com vitórias, com o lado escuro, mas alguma luz também.
É dos melhores blogues de sempre, sim. É um blogue com vida lá dentro.
Um beijinho para ti e outro para a Silvina pelo facto de escreverem e partilharem o que sentem de forma tão sincera...
Enfim, obrigada por serem como são!
E que importante que deve ser encontrar bons treinadores :)
A Silvina, para além de uma mulher de coragem, tem o dom de tocar imediatamente quem se cruza com ela, mesmo que seja só através da escrita.
Calculo que pessoalmente seja uma pessoa cheia de luz. É assim que a vejo.
Tenho de lá ir. O link é o que vai directo do nome dela?:)
Muito Obrigado por este texto
"tem o dom de tocar imediatamente quem se cruza com ela, mesmo que seja só através da escrita". - é como eu a vejo. "Apaixonei-me" num instante.
Bem, que isto é tanta lamechice da boa que uma pessoa até fica sem jeito... Também me pélo de medo com a decadência física provocada pelo cancro, aquele amarelecer da pele, a perda de vitalidade, o sugar da energia, aquele momento onde ele "nos toma de assalto" como dizes. So de pensar nisso até tenho arrepios. Mas há de facto outra maneira de viver a experiência cancerígena, com mais distância do medo; acho que a descobri enquanto doente, e fico contente de te poder ajudar a descobrir isso enquanto enfermeiro. Um abraço porreiro, pah!
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