Oito meses. Não parece mas já passaram 8 meses desde que deixei Portugal. Num sentimento de "tão perto mas tão longe", parece que foi ontem que aqui cheguei mas, por outro lado sinto que já não seria capaz de trabalhar em Portugal. De facto, as condições aqui são de tal forma diferentes que já não me vejo a trabalhar em Lisboa. Na verdade, este sentimento abalroou-me quando vi um documentário na RTPi acerca da vida dos tripulantes de ambulâncias em Lisboa. A visão dos Serviços de Urgências da capital, dos quais ainda me lembro muito bem, colocou-me duas questões: Como é possível? Como foi possível? Como é possível que se trabalhe naquelas condições e, a questão que mais me impressionou, como fui eu capaz de trabalhar, sem qualidade e sem segurança, em tais organizações. Na verdade, oito meses são mais que suficientes para alguém se habituar ao conforto e à segurança. Porque, em boa verdade, trabalhar aqui à acima de tudo, confortável. Não é que seja perfeito, longe disso. Há problemas como em todo lado, há intrigas e favorecimentos, injustiças e também há erros. Mas é confortável porque só temos um trabalho, folgamos o tempo a que temos direito e, acima de tudo, o ordenado é adequado e permite uma vida sem sobressaltos. E este conforto tem este efeito bizarro em mim: o tempo que passou ainda não é suficiente para me esquecer de onde vim mas, ao mesmo tempo, essa realidade está tão esbatida que, por vezes, tem a intensidade de algo que apenas sonhei, que não vivi realmente.
De tudo o que aqui encontrei o que mais me agrada é a mistura de culturas e de nacionalidades. Diariamente trabalho com suíços e franceses, espanhóis, italianos, portugueses, romenos, gregos, iranianos, iraquianos, indianos, russos e ucranianos, polacos, alemães, canadianos, ingleses, norte-americanos. E isso é fantástico! Ainda para mais quando toda a gente se trata por "tu". De facto, o "tutoyer" está institucionalizado mas desenganem-se se pensam que é o equivalente do "tu-cá-tu-lá" que bem conhecemos. O "tu-cá-tu-lá" tuga está carregado de uma conotação de promiscuidade na relação profissional, numa espécie de "faço o que quero porque sou tu-cá-tu-lá com o chefe" enquanto que este "tutoyer" é estabelecido logo no início da relação profissional, pelo que deixa automaticamente de ser um abuso tratar o chefe por tu. Como sempre nos dirigimos a ele nesses termos, o tratamento por tu é automaticamente desmistificado e deixa de ser uma questão. A mesma coisa com os médicos. Tratamo-los por tu, de mesma maneira que eles nos tratam por tu. Chamamo-los pelo nome próprio e o "Doutor" que normalmente precede o seu nome não existe. Isso facilita, e muito, a relação e favorece a confiança e o bom ambiente de trabalho.
Uma das coisas que estranhei no início desta experiência foi o facto de TODOS os médicos que trabalham no serviço terem um telemóvel de serviço e a lista desses telefones estar afixada por todos os cantos do hospital. Mais estranho ainda para mim, foi o facto de ser perfeitamente normal os meus colegas agarrarem no telefone e ligarem ao médico para colocar uma questão ou dar uma informação. Em Portugal isso não se passa assim. Em primeiro lugar há médicos que são extremamente desagradáveis quando incomodados e depois há aqueles que nunca estão disponíveis. Além disso, normalmente dão-nos um número de um escritório onde, invarialvelmente, não está ninguém. Aqui, se quero falar com o Dr. Avec procuro o seu nome na lista e ligo-lhe. E, surpreendentemente, ele atende! E é assim não só com os nossos médicos mas também com os especialistas que convocamos como o neurologista, ortopedista, cardiologista, etc, etc, etc.
Balanço da decisão de vir para cá: faria tudo de novo!
10 comentários:
Ainda tenho essa decisão tão atravessada na minha garganta! O "sim" ainda não sai com clareza. Pesam os meus amigos , que são a minha família e o nosso maravilhoso tempo que me permite ir à praia em Maio... Mas isso é tão pouco para dizer "não"!
Miguel, obrigada por mostrares que afinal é possível um ambiente profissional muito próximo daquilo que eu sempre achei que devia existir. Pensava que era utopia, mas pelo que relatas, existe algures... só não existe em Portugal.
E é ao ler este blog que me apercebo que afinal o curso que estou a tirar ainda tem futuro! É pena é que não seja dentro do país onde nasci. Estive agora em estagio e chegou-se ao cumulo de não haver luvas para se usar, ou de se chamar o médico e ele nos responder que estava em hora de jantar e chegar 2 horas e meia depois. Sair do país parece mesmo ser a única solução. Isto se quisermos trabalhar com algumas condições.
Não trabalho nesta área, mas ao ler este post descobri uma coisa. Afinal eu não estou errada nas minhas convicções, trabalho é no País errado :|
Miguel, sou enfermeira no Brasil e esta profissão multifacetada parece ser ainda mais diversa a medida que a analisamos nos diversos países.
Fiquei curiosa em saber o que suíços, franceses, espanhóis, italianos, portugueses, romenos, gregos, iranianos, iraquianos, indianos, russos e ucranianos, polacos, alemães, canadianos, ingleses, norte-americanos pensam sobre nossa profissão. Pode me ajudar a responder isto?
Olá! Podias-me dizer quem contrataste para levar o que tinhas em Portugal para aí e já agora se ficaste satisfeito? Eu vou para França, o meu marido já lá está quase há um ano e agora chegou a hora de eu e os meus filhos irmos para junto dele. Tenho muita coisa para levar e precisava de um bom contacto. Obrigada.
Eu já desconfiava de tudo isso...do haverem medicos, medicos. Disponiveis.
O nosso pais, leia-se Portugal, ainda vive`muito à conta dos doutores que às vezes são uma espécie de doutores, gente que quer passar por pareê-lo antes de s^-lo, não sei se me faço entender.
Temos todos a mania, dos estatutos...e depois vem o tratamento, por tu ou por você ou por Dr. ou por Chefe,....enfim...acho que para haver respeito nas hierarquias não tem que haver necessariamente titulos ...depois vens a confianças agregadas aos tratamento. Ah e tal trato o chefe por tu, posso abusar, e o pior é que aqui nestas bandas é isso mesmo:(
Tugas, mesmo...
No Serviço de Urgência em que trabalho (Reino Unido) passa-se o mesmo. Convem saber os nomes de toda a gente com que se trabalhar, porque chamar "Enfermeiro!" "Doutor!" "Auxiliar!" não resulta em nada. Temos saídas de trabalho (poucas) ás quais vai toda a gente que não está a trabalhar nesse turno - do auxiliar mais novo ao "consultant" mais idoso. Cada qual faz o seu trabalho, existem imensas tarefas que podem ser feitas por toda a gente. Não é um sistema perfeito, existem auxiliares que pensam que são enfermeiros, existem médicos que não gostam de trabalhar, existem paramédicos irritantes... Enfim, o normal. Mas que as coisas funcionam muito melhor do que em portugal, isso funcionam. Trato o Enfermeiro Director pelo primeiro nome - não porque tenho qualquer realação especial com ele, mas porque é assim que toda a gente o trata. Os meus utentes dizem-me para os tratar pelo primeiro nome, ou por um diminutivo que preferem. É assim, a sociedade por cá. continuam a existir pessoas que gostam de ser tratadas por um título, Doctor, Sister, Mr., Mrs, mas são uma minoria - e normalmente são simpáticas e educadas, simplesmente gostam de ser tratadas assim por pessoas que não conhecem.
Cheguei a Paris em Abril de 2011. Não volto porque não hà lugar na arquitectura para mim. Gostava de fazer o que ja fiz em Lisboa. Mas sei que vai ser impossivel nos proximos anos. Não quero ficar em Paris. Ha muita Europa para viver/absorver antes de sair pelo resto do mundo...
Olá Miguel! Estava aqui a passar pelo teu blog, quando me deparei com este post. Ao fim de seis anos de enfermagem em Portugal, estou francamente cansada da forma como nos tratam, com gritos, faltas de respeito, etc. Também vou emigrar!!! Estou a aprender francês, mas tenho medo de ir entregar curriculos sem saber falar bem.
Mas comentários como o teu ajudam-nos a ganhar asas!
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