Mendigos. Todas as grandes cidades os têm. Não vou estar aqui a dissertar sobre as razões que levam alguém a pedir na rua, a sujeitar-se a viver da boa vontade de estranhos, a rebaixarem-se e a terem atitudes muitas vezes humilhantes. Devo dizer que, na maioria dos casos não me deixo comover. O "profissionalismo", a encenação, a exacerbação das queixas e dos lamúrios levam-me sempre a pensar que há algo de desonesto naqueles apelos. Mais facilmente dou uma esmola a alguém que não pede mas que demonstra o seu desespero no mais triste olhar, do que aos histéricos com refrões perfeitamente estudados e ritmados, mais condizentes com uma feira do que com uma situação de desespero.
Exemplo máximo disto que falo ocorre no metro de Lisboa. Quem já andou e quem utiliza este meio de transporte concerteza que já se deparou com esta personagem. Cego (isso é certo), com um ar escanzelado mas surpreendentemente bem tratado, sinais claros (para quem trabalha na área) de toxicodependência. O refrão: "QUEM TEMA BONDADE DE M'AAAAAAUXILIAR?", repetido até à exaustão durante anos. Penso que esta é já uma personagem típica do Metro. Depois dele, outros surgiram com a mesma técnica o que levou o nosso cromo original a mudar de lenga-lenga, utilizando agora um rap ritmado e dançante com direito a acompanhamento rítmico da bengala nos ferros dos bancos!! O que me leva a desconfiar desta pessoa? Bom, já por várias vezes o apanhei a praguejar contra as pessoas (em surdina) por ninguém lhe dar dinheiro. E isto, meus amigos é, quanto a mim o pecado maior do mendigo: morder a mão que o alimenta, literalmente.
Contudo, existe uma excepção à regra. Quando eu era estudante de enfermagem, sem carro, sem casa própria, sem dinheiro, era cliente assíduo do Metro. Na estação do Rato estava sempre um outro cego, normalmente à saída do lado da estação da PSP. Este jovem tinha uma particularidade: tocava acordeão. Mas fazia-o de uma forma tão bela, com melodias tão tocantes e tão alegres que, fosse qual fosse o meu estado de espírito, melhorava sempre depois de o ouvir. E mais, a expressão na face daquele homem, plena de sentimento, num quase transe musical revelava que, aquela pessoa merecia melhor sorte que tocar no metro, para pessoas sem tempo e sem paciência para apreciar o seu trabalho. Pérolas a porcos, foi o que sempre pensei. A estas pessoas eu dou dinheiro, quase sempre, porque considero que elas estão a prestar um serviço que deve ser pago. Não é comum uma pessoa que pede ajuda, por desespero, conseguir alegrar o dia de alguém e isso é impagável. O homem merece mais do que uma simples moeda de um desconhecido. Outro exemplo. Paris, colina do Sacré-Coeur, vista lindíssima sobre uma parte da cidade. Um cenário lindíssimo e para dar a envolvência perfeita, um homem a tocar harpa! Se isto não é merecedor de uma recompensa, o que será?
É uma questão de inteligência. Há quem aborde a pobreza e as esmolas de uma forma negativa (a maioria) e algumas que o fazem pela positiva: tocam, cantam, dão espectáculos de rua, com marionetas, pintam o chão, fazem-se de estátuas, o que for, mas trabalham por um objectivo. Haverá algo mais deprimente e que cause incómodo e afastamento das pessoas que um homem ajoelhado no chão, no meio da rua, com os braços abertos e sem camisa, em pleno Janeiro? As pessoas fogem do que as incomodem, e isto incomoda.
Por isso, se por algum acaso encontrarem o rapaz do acordeão na estação do Metro do Rato parem por uns momentos, escutem a melodia e penetrem nas expressões faciais e corporais do Artista. Digam-se se não mexeu, de alguma forma, convosco. Se encontrarem alguém que traga um pouco mais de emoção, alegria ou outro sentimento qualquer ao vosso dia rotineiro e clonado dos outros todos, por favor, agradeçam a essa pessoa e ajudem-na. E muitas vezes ajudar significa apenas parar um pouco e dar-lhe alguns minutos de atenção!! Se, associado a isso surgir uma moedita, tanto melhor!!!!
1 comentário:
Olha, Miguel, sinceramente, tiraste-me as palavras da boca (ou do teclado). Convido-te a ver este pequeno vídeo e a ler os comentários (são muitos, eu sei) lá deixados, muitos deles por mim. Cumprimentos
http://www.youtube.com/watch?v=CfVwnR-obe0
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