quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

A brincar, a brincar...

Ora bem, isto hoje é aproveitar que o Espírito de Natal não quer ninguém doente nem magoado.
Então, dizia eu, hoje lá me apareceu uma velhotinha com um entorse num pé (têm sido ás carradas as entorses já que a neve chegou e aquilo é coisa gira e tal mas escorrega que se farta) e consulta práqui, Rx práli, lá regressou ao seu lar. Estando sozinha no hospital lá empurrei a cadeira da senhora até á recepção das Urgências e pedi que lhe chamassem um táxi. Estacionei-a junto do pinheiro de Natal que alegra um pouco aquele espaço e acabei por lhe dizer:
-Minha senhora, deixo-a aqui ao pé da Árvore de Natal. Olhe, aproveite e leve uma prendinha!
Convém esclarecer que a árvorezeca tinha montes de caixas (vazias, provavelmente caixas de transportar as fraldas) embrulhadas e com lindos laçarotes espalhadas junto a ela.
Até aqui tudo bem, adeus minha senhora bom natal e as melhoras, obrigadinho senhor enfermeiro para si e para os seus também. Volto para o meu local de trabalho e poucos minutos depois toca o telefone.
-Olhe, desculpe lá, mas foi o senhor que acabou de trazer uma senhora de cadeira de rodas aqui prá sala de espera?
-Fui, fui.
-Então e você foi-lhe dizer que ela podia levar um presente da árvore?!?
- Mas foi a brincar... aquelas caixas não tem nada... certo?
- Mas ela acaba de tirar um peluche da árvore! Eu disse-lhe que ela não podia tirar e ela disse-me que você lhe tinha dado autorização.

Nesta altura não consegui evitar uma gargalhada.

- Isto não tem piada! Você não pode dizer essas coisas aos doentes!
-Pronto, pronto... eu trago um peluche lá de casa...
-Não é preciso.

Realmente, estes suíços têm o sentido de humor de um calhau.

domingo, 18 de dezembro de 2011

De volta ao básico.

Neva em Lausanne. Dou por mim muitas vezes a questionar porque raio me sinto tão bem aqui. Nem o clima, nem a Língua (bem, por vezes torna-se cansativo falar Francês o dia inteiro!), nem as diferenças culturais me afectaram por aí além. Perguntam-me muitas vezes qual tem sido a maior dificuldade com que me tenho deparado por aqui e agora, quase três meses depois, a minha resposta é clara: o Síndrome "Big Brother".
Trata-se da observação constante por parte dos colegas, da vigilância informal por parte dos chefes, do escrutínio constante, de ter de provar todos os dias que sabemos o que estamos a fazer. Para alguém com pouca experiência a pressão pode ser positiva, mas para alguém que em Portugal tinha uma posição confortável e destacada na equipa, isto pode ter um efeito pernicioso. O da desmotivação. Por isso trato de fazer tudo bem, confirmar e reconfirmar todos os passinhos dados, ler e reler processos e as notas que eu próprio escrevi, estudar protocolos e directivas, rever técnicas e medicamentos. Coisas que seriam naturais em Portugal, automáticas, aqui são feitas como se tivesse acabado de me formar.
Esta exigência que me coloquei a mim próprio tem tido efeitos muito positivos. Volto ao básico para me tornar num melhor enfermeiro, mais ciente daquilo que faz, com mais informação para decidir. Mas são tantas coisas para ver, para consultar, para saber! É um trabalho de alguma forma frustrante porque não é visível. E é frustrante também porque vejo colegas que estando vários níveis abaixo, em comparação comigo, com a qualidade do meu trabalho (perdoem a imodéstia),  me olham de cima. É o problema de ser o "gajo novo".
Enfim. São agora 23:30 em Lausanne e estou no Hospital até ás 7 de amanhã. Em vez de estar aqui a debitar parvoíces vou mas é estudar!

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Quem arrisca às vezes f... lixa-se.

Ainda acerca da história de encontrar casa em Lausanne. Se por um lado é difícil encontrar casa, trocar de casa também não é propriamente um "dia de praia" (ei! acabei de patentear a versão portuguesa de "a walk in the park"). Na verdade os contratos são bastante fechados quanto à sua resiliação: temos que avisar o senhorio com 3 ou 4 meses de antecedência relativamente ao final do contrato ou então encontramos um substituto que esteja disposto a ficar com o apartamento, nas mesmíssimas condições que nós. Ora aqui o espertalhão teve o seguinte raciocínio: "bom, se há assim tanta falta de casas na cidade, se tanta gente procura durante tanto tempo, não deve ser difícil encontrar um substituto". E zumbas, toca a procurar casa nova!
Casa nova encontrada, publicidade à casa onde ainda estamos, internet, folhetos lá no hospital e tal e, mais de uma dezena de visitas depois... NÃO HÁ AINDA NINGUÉM INTERESSADO NESTA CASA!!!! Mas tá tudo louco? Então... então mas... uma casinha tão jeitosa? Oh meus amigos, é que hoje já é dia 14 e não me apetecia nada pagar duas rendas no mês que vem! Olha que bela maneira de começar 2012, a pagar...

Iiiirra!

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Arrepio, arrepio, arrepio.

Ainda não me aconteceu ter um caso desses. Os meus colegas dizem-me que não é muito comum mas que, infelizmente, acontece. Na verdade, dei-me conta de que na verdade não estou a salvo de, um dia receber uma criança na Sala de Reanimação. Temos um canto da sala completamente preparado para cuidar de crianças, com todo o material em tamanho pediátrico e, na volta de controle de material que fazemos todos os dias também temos de controlar a zona pediátrica. E tocou-me o facto de haver pijaminhas de criança e pequenos "bodys" para recém-nascidos num local tão agressivo, frio e impessoal como aquele. Simplesmente nenhuma criança deveria ter de entrar num sítio como aquele e, acima de tudo, morrer num sítio como aquele.
Sim. Eu escrevi "morrer". E, de uma forma muito suíça (e muito bem, digo eu), existe uma norma institucional de "Como proceder em caso de morte de uma criança na Sala de Reanimação". Tudo muito esquematizado: limpar a criança, vestir-lhe um pijama, organizar a capela mortuária para receber o corpo, informar a família, acompanhar a família. Tudo muito certinho, o que fazer, quando fazer, onde fazer. E nós? Como lidar com a morte de uma criança? Como ajudar os pais a suportar tamanho sofrimento sem que, nós próprios soframos também?
Não estou preparado emocionalmente para lidar com algo assim. Que todos os dias me confronte com a minha própria mortalidade, pouco a pouco vou integrando essa ideia em mim. Que tenha de projectar a mortalidade dos meus filhos (arrepio) na morte violenta de uma criança... Cada vez que me calha fazer o controle da zona pediátrica, nesses dias é quando abraço os meus filhos da forma mais intensa, como se o meu abraço os pudesse proteger. De tudo. 

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Sorte do Caraças, é o que é!

Desde que lhe disse que vinha para a Suíça, a minha cara compincha de escrita Ana C. me disse que achava os Suíços um bocado nazis. É capaz de ter razão.
Por estes lados é muito difícil encontrar casa para morar porque enfim, as casas disponíveis são poucas! E eles recusam absolutamente aumentar a periferia das cidades e ocupar os espaços "verdes", não há cá construção indiscriminada de mamarrachos no meio das montanhas! O que quer dizer que, ao contrário do que se passa em Lisboa, que o centro da cidade de Lausanne (e calculo que das outras cidades também) está cheio. Cheio e vivo! Porque, ao contrário do que se passa em Lisboa, as pessoas vivem no centro da cidade, há mercados e supermercados dentro das cidades, há pequenas lojas familiares, cabeleireiros, os correios, relojoarias, pastelarias, escolas e lojas de skis e a cidade não morre à noite e ao fim-de-semana porque, enfim, a malta mora a 30 km nas Amadoras, Alcochetes e Quintas do Conde periféricas.
O problema é... encontrar uma casa! Quer dizer, todos os dias surgem anúncios de casas para alugar mas aqui o processo de encontrar casa é um pouco diferente de em Portugal. Aqui nós candidatamo-nos à casa! Estranho? Pois. Consultamos os anúncios, visitamos a casa e se interessados, entregamos um dossier de candidatura na agência imobiliária responsável. E esse dossier contém: documentos de identificação, documentos da entidade patronal como contrato de trabalho e os 3 últimos recibos de vencimento, o visto de residência (para os estrangeiros), declaração do "tribunal de dívidas" do cantão onde consta que não devemos nada a ninguém e só fica a faltar uma árvore genealógica até a 10ª geração! Entregamos e... esperamos. O mais certo é não obtermos resposta o que quer dizer: azarito, a casa foi atribuída a um gajo qualquer que não tu!
Mas voltando à conversa dos Nazis: quais são os critérios de atribuição das casas? Ninguém sabe! É ao critério das imobiliárias e dos proprietários dos imóveis. Imagino que o salário auferido deve ser determinante e se houver suíços interessados esses também devem ter prioridade (é uma política cá da casa, dar prioridade aos nativos. E muito bem, digo eu!), o facto de haver crianças também é muitas vezes eliminatório, idem para animais. Mas toooooda a gente me diz que levaram entre 3 e 6 meses a encontrar casa em Lausanne. Pois eu devo ser um gajo com um charme do caraças!
Então não é que encontrei a casa onde estou actualmente ao final da minha 2ª semana de Suíça? "Milagre" exclamaram os meus colegas mais antigos, "sorte de principiante" alvitraram outros, "nunca mais te acontece" advertiram ainda uns terceiros. Pois bem, não estando contente com o meu actual apartamento, eis que me lanço no início de mais uma demanda de um apartamento mais conveniente. E sabem que mais? Ao fim de duas semanas de procura, eis que me ligam de uma imobiliária dizendo "Monsieur Miguel, o apartamento situado na avenida X foi-lhe atribuído". AHAHAHAHAHAHA!!
Um apartamento situado a 5 minutos a pé da escola do Gabriel, a 15 minutos a pé do meu trabalho, com autocarro para o centro da cidade à porta e 3 supermercados, os correios e o meu banco à porta!!!
Bem, se os suíços são um bocado nazis então a minha foto deve dar ares de um certo "arianismo" do alto do meu 1,78m e com os meus loiríssimos cabelos pretos e os meus olhos de um castanho azulado!!

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Aviso: isto é coisa que vicia!

Começa com um ritual que fazemos todas as manhãs: abrir as salas de Reanimação (onde recebemos situações muito graves, ou seja, perigo de vida imediato) e ligar as máquinas. Ouvir os seus estridentes sons de alarme, calibrar valores, fazer testes de função. E verificar o material, se está presente, se tudo funciona se as coisas certas estão nos lugares certos. E, ao verificar uma check-list onde tudo está esquematizado e listado e ao verificar os protocolos de actuação na Sala de Reanimação, temos a impressão que tudo deverá correr de uma forma planeada e ordenada. Não.
Toca o telefone de anúncio de situação de reanimação. É activado pelo INEM cá do sítio. É um som rouco e alto, uma espécie de alarme de radioactividade que se ouve nos filmes, e que ecoa por todo o serviço. Dois ou três enfermeiros precipitam-se para o atender mas aquele que finalmente responde à chamada entra numa espécie de transe: não diz nada e rabisca apressadamente cruzes e pequenas palavras num pequeno formulário. Finalmente desliga e, trocando de telefone, marca um número e diz algo do género: "Homem, 56 anos, encontrado inconsciente na sua casa, glasgow 3, intubado, instável, chegada dentro de 15 minutos" e desliga. O computador ao qual esse telefone está ligado mostra uma lista dos elementos aos quais a mensagem vai ser enviada: Médico do Serviço de Urgência, Médico dos Cuidados Intensivos, Chefe da Equipa de Enfermagem, Técnico de RX... À medida que essas pessoas vão atendo os seus telefones, os seus nomes passam de vermelho a verde no ecrã.
Cinco minutos antes da hora da chegada do paciente estamos todos dentro da sala, á espera. Sente-se a tensão a aumentar. Já preparei os meus medicamentos de urgência, o material de intubação, os tubos para onde vou colher sangue, as agulhas, os soros. O meu colega ligou o desfibrilhador, o ventilador e também está preparado. Os médicos aguardam, alinhados, em frente à porta de entrada. O doente chega, o pessoal do INEM cá do sítio transmite o que sabe e o que fez e o doente passa para a nossa maca. É o nosso doente agora, precipitamo-nos para ele, cada qual com sua missão. Eu tento picar uma veia para o sangue, para deixar um catéter lado a lado com um médico que tenta picar uma artéria. Empurramo-nos um pouco para tentar encontrar a melhor posição. Não dá, digo-lhe para se afastar um pouco, preciso de espaço. Ele sai de cena. Do outro lado da maca o meu colega já tem o doente ligado ao monitor que apita dando o ritmo cardíaco e também marcando o ritmo das nossas acções. À cabeça do doente, o médico mais experiente (o "Team-Leader) debita informações e indicações para o resto da equipa. Anuncio que tenho um acesso venoso e ele inicia a lenga-lenga da mediçação a dar: "x" miligramas disto, "y" microgramas daquilo, iniciar perfusão de "z" a "x" miligramas/hora. As pessoas atropelam-se na sala, uns que entram com novas informações, outros que saem para enviar o sangue para o laboratório, nós gravitamos à volta do doente, fios enrolados, tubos de soro que se cruzam. Doente estável, ligamos o carro de transporte (uma enorme coluna cheia de máquinas) à maca e lá vamos nós para a TAC, para o Bloco Operatório, para a Cardiologia de Intervenção, para os Cuidados Intensivos. Nos corredores as pessoas encolhem-se à nossa passagem, somos muito e as máquinas apitam e um Ser Humano com tubos enfiados em vários orifícios e ligado a 3 máquinas diferentes impressiona sempre!
Doente entregue no seu destino. Voltamos, arrumamos a sala e repomos o material utilizado, testamos as máquinas e deixamo-las prontas a utilizar. Apagamos as luzes e fechamos a porta atrás de nós. O telefone toca outra vez...

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Não foi pêra doce não!

Ora bem, vamos a contas.

Então, no dia 25 de Setembro saí da minha casa na Quinta do Conde com a carrinha atulhada de tralha e fui para casa dos meus pais durante quatro dias para depois voltar para Lisboa apenas com duas malas com 78 kg de roupa e muita esperança no coração. Dois dias acampados em casa de um casal amigo (obrigado Vânia e Luís!) e no dia 1 de Outubro aterramos todos em Genebra às 19 e qualquer coisa (hora local) depois de termos ficado em terra em Lisboa após termos perdido o voo inicialmente marcado. No dia 2 entro no pequeno estúdio que já tinha reservado para mim e fico (com a minha parte das malas) em Lausanne enquanto a Mariana e os putos seguem para o norte da Suíça (380 km e 3 horas de caminho depois), onde se instalam aguardando (im)pacientemente que eu encontre casa para a família. Dia 3 de Outubro começo a trabalhar.
Entretanto, na segunda semana de Outubro acontece um milagre: encontro casa para a família, entrada dia 1 de Novembro (milagre porque é extremamente difícil encontrar casa. São tão poucas que os proprietários dão-se ao luxo de abrir candidaturas às casas: visitamos, entregamos um dossier de candidatura com 50 documentos e esperamos ser seleccionados). Dia 15 de Outubro uma amiga que vive em Lausanne vai de férias para Portugal e empresta-nos a casa até ao final do mês. Lá vem a Mariana com as tralhas e os putos de atrelado Suíça abaixo e lá vou eu com os meus dois pares de calças, as meias e os boxers ainda limpos para o apartamento da nossa amiga.   
Dia 1 de Novembro mudamos finalmente para a nossa casa com as nossas duas malas e os putos de atrelado mas a casa está vazia e então lá vamos á Conforama comprar um sofá e um colchão para nós, um primo da Mariana que mora perto arranjou-nos uma mesa e uns bancos, o meu pai enviou-me uma velha TV Sony e um colchão para o Gabi e o David dorme na cama de viagem (e que bem que dorme!). E lá ficamos nós, os dois e os putos, numa casa  com um sofá e um colchão no chão, uma mesa e cadeiras que não combinam e uma velha TV Sony numa casa que entoa de tanto vazia que está. Duas semanas depois chegam 27 caixas de cartão de Portugal com o resto das nossas coisas! E agora a casa já não entoa tanto porque há caixas de cartão espalhadas por todo o lado. Mas não podemos livrar-nos das caixas por duas razões: primeiro não temos roupeiros nem armários para arrumar as coisas e em segundo porque já estamos a procurar outra casa, já que esta é assim pró carota e está um bocadinho mal situada. E lá ficamos todos com o sofá, o colchão e a velha TV Sony e a casa cheia de caixas de cartão que o Gabriel se entretém a furar com uma caneta.
E assim andamos nós, vendo casas e sendo recusados até que finalmente nos ligam (ontem!) dizendo que ficámos com um apartamento situado a 5 minutos a pé da escola do Gabi, do banco, dos correios e dos 3 supermercados mais significativos do país (tipo Continente, Jumbo e Pingo Doce mas em versão pequena)! Fantástico! Sorte do caraças! O único ponto negativo é que, no espaço de 3 meses vai ser a nossa 6ª mudança de residência: nós e os putos, o sofá, o colchão, a velha TV Sony, as 27 caixas de cartão e mais um móvel de quarto que estava na rua mas em tão bom estado que agora está no meu quarto!
Mas creio que será a última nos espaço de alguns anos...

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Lost in Translation

Desde o início que sabia que a língua (neste caso o Francês) ia ser um desafio vital nesta nova aventura. Na verdade já falo francês há muitos anos, o suficiente para manter uma conversa informal de uma forma compreensível e estruturada. Contudo o vocabulário técnico seria sempre um desafio. Mas não estava preparado para as reais dificuldades... Na verdade o vocabulário técnico é muito parecido com o português e quem quer que seja que domine o francês na sua vertente mais geral consegue facilmente dominar o vocabulário técnico. Já falar com os doentes... isso é outra conversa! Não é assim tão evidente receber um doente nas Urgências e descodificar o seu discurso. O que em português é automático passa a ser penoso em francês!
Para já o tratamento formal presume tempos verbais mais complexos para além do presente, passado e futuro. E depois há montes de expressões idiomáticas que não são conhecidas de um não-francófono. Por incrível que pareça dei por mim a pensar e a pesquisar na net como se dizia alguma palavras aparentemente simples como "fezes", "bexiga" e "gémeo" (o músculo), e a encravar no discurso ao descobrir subitamente que não sabia como perguntar ao doente "Então? Os intestinos funcionam bem?". E garanto-vos que tenho recebido montes de olhares intrigados de doentes ou familiares que visivelmente não perceberam um boi do que eu lhes disse!! Por outro lado a maioria dos  doentes utiliza expressões mais coloquiais para se exprimirem. O equivalente em francês a "arriar o calhau", "picha", mijar", "cagar" e coisas dentro desta linha de linguagem! Descobri da forma mais embaraçosa que os dedos têm nomes diferentes dependendo se forem os dedos das mão ou os dos pés! Depois há a questão da entoação. O francês é uma língua muito musical e com pequenas variações nas entoações das palavras e por vezes apercebo-me que os pacientes tendem a repetir algumas palavras que digo mas com entoações ligeiramente diferentes. Os primeiros 15 dias de trabalho foram difíceis na medida em que estava ainda a tentar adequar a minha forma de me expressar em francês.
Eis senão quando recebo um jovem agressivo e numa crise psiquiátrica... a tourada do costume, gritos, montes de gente a segurar o rapaz e finalmente as imobilizações de mãos e pés. Claro que depois de preso o jovem passou a berrar a plenos pulmões "AJUDA, SOCORRO, POLÍCIA" para além de, evidentemente "CABRÕES, FILHOS DA PUTA, CORNUDOS!". Sendo o meu doente, lá o instalei na sua box de urgência (uma espécie de quarto mas sem portas) e tentei acalmá-lo. As coisas até estavam a correr bem até ao momento em que disse uma palavra qualquer que o tipo não percebeu... "Essa palavra nem sequer existe." afirmou o tipo com desdém. E eu reformulei a frase mas já era tarde. Percebendo o meu erro ele começou "Não percebo nada do que dizes... Essa palavra não existe... não percebo nada..." até que finalmente "SOCORRO, SOCORRO, NÃO PERCEBO UM CARALHO DO QUE ESTE GAJO DIZ!! NÃO PERCEBO ESTE TIPO" em altos berros...

Na verdade é uma pena que não haja buracos num serviço de urgência de um país tão evoluído.


segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Maravilhoso Mundo Novo

De todas as mudanças que a minha vida sofreu no último mês a que mais me marcou foi, sem sombra de dúvida a máquina que distribui as fardas! É assim tipo uma lavandaria gigantesca com todas as fardas de todos os funcionários penduradas, bem lavadas e engomadas. É só chegar, encostar o nosso cartão de identificação ao leitor da maquineta e seleccionar as fardas. Aquilo roda e roda e roda e roda e como num passo de magia... eis que surge um polo branco pronto a usar logo seguido de umas calças impecavelmente limpas! Juro que era capaz de ficar a babar, encostado ao vidro da máquina, a observar o seu funcionamento... mas infelizmente tenho que ir trabalhar!
Depois de 12 horas a bulir, eis que volto à minha adorada máquina de distribuição de fardas, logo depois de me desfardar. Chego devagar e, docemente, introduzo uma a uma as peças que usei durante o dia para logo ler a sua mensagem de despedida: "vêtement reconnu". E eu logo respondo: "Até amanhã lindona!"

JÁ TENHO INTERNET EM CASA CARAMBA!!

sábado, 5 de novembro de 2011

Rapidíssima.

Tinha muitas coisas para contar mas... não tenho tempo! Nem internet em casa aliás! Mas novidades, novidades... o Gabriel começa na nova escola já na próxima semana!
Tirando isso só mesmo o facto de estes teclados QWERTZ me continuarem a irritar.

Volto logo!

(não sei quando, mas volto)

terça-feira, 11 de outubro de 2011

A poeira assenta lentamente...

Depois de uma semana de integração "à séria" como nunca tinha visto (trabalho "zero", uma semana inteirinha dedicada à organização da instituição) eis que volto ao campo de batalha onde me sinto melhor: o Serviço de Urgência! Entretanto encontrei casa para a família (que não é assim tão pequena, mas também o preço... upa, upa...) que se vai juntar a mim no final desta semana (tenho estado sozinho num pequeno estúdio). Continuo sem internet em casa e, verdade seja dita, sem grande tempo nem disponibilidade para vir contar as aventuras desta mudança (não tão radical como parece), que são muitas! 

À bientôt!

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Tipo Telegrama

Oi! Estou moídinho mas vivo! Com todas as coisas que tenho para resolver por terras helvéticas não tenho tempo nem para comer em condicões! Foram tantas as aventuras só nas duas  últimas semanas em Portugal que já tenho historietas para alimentar o blog nos próximos meses.
Até um dia destes! 

(maldito teclado "franciü"...)

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Uma bela maneira de ficar bem visto depois de ter impedido uma fila de supermercado!

Ontem fui às compras, naquela cadeia de supermercados da musiquinha irritante. Bom, estava na fila pronto a pagar tudo mas faltava-me um artigo que não encontrara em lado nenhum. Perguntei à menina da caixa: "Peço desculpa, mas já não têm aqueles bonequinhos "Um Bongo", uns que vêm embrulhadinhos num plástico? Costumam estar por aqui neste mostradores à entrada das caixas..." (nesta altura eu estava sozinho naquela fila de caixa) "Uns bonequinhos que vem numa caixinhas?" pergunta ela "Enfim, eles vêm nuns plásticos que estão dentro de uma caixa..." respondo, não certo de estarmos a falar da mesma coisa "Isso agora está ali na secção dos sumos.". Entretanto tinha chegado uma senhora à fila. "Importa-se que eu dê uma corridinha ali aos sumos?" pergunta à recém-chegada que não levanta objecções. Uma corrida rápida pelo corredor e volto à caixa "Não encontrei, deixe lá. Faça a minha conta." mas a menina da caixa chama o segurança "Ò sr. segurança sabe onde estão aquelas caixinha com bonequinhos "um Bongo"? Ali no corredor dos sumos?" Entretanto chegara mais uma cliente à fila... "Aguarde só um bocadinho..." reponde o segurança dirigindo-se ao local dos sumos. E eu já um pouco encavacado por estar a demorar a fila e toda a gente que esperava, três senhoras estavam já atrás de mim! O segurança volta com uma caixa: "Ora cá está!". "Mas não é isto! Isto tem os sumos e um boneco. Eu procuro uns saquinhos que trazem só o boneco.". "Nunca vi isso por aqui!" respondem a menina da caixa e o segurança enquanto uma das senhoras que esperava confirmava a minha versão. "Mas não interessa, eu levo a caixinha com os sumos, não há problema!" A menina faz a minha conta e enquanto eu pagava aparece o segurança com os tais saquinhos com os bonecos lá dentro! A menina da caixa diz-me "Se quiser podemos fazer uma devolução da caixa e leva só o boneco, como queria." mas eu estava já a sentir-me um pouco incomodado pelo tempo que já tinha ocupado ás senhoras que estavam na fila, à espera que eu acabasse "deixe lá, eu levo a caixa." mas a menina insistiu e fez a devolução. "Olhe que não lhe compensa levar só o boneco! Este custa 2.99€ e com os 9 sumos a caixa só custa 3.51€!". "Pois, não compensa! Leve mas é a caixa!" intrometiam-se já as senhoras que esperavam na fila, impacientes. "Pois, assim sendo levo a caixa." Finalmente tinha pago e preparava-me para sair mas achava que tinha de dar uma satisfação a quem tinha esperado...
"Eu peço imensa desculpa  minhas senhoras mas é que eu prometi ao meu filho que lhe levava um bonequinho destes (que ele gosta muito) e não podia chegar a casa de mãos a abanar."
E a resposta foi um longo e sonoro: "Ohhhhhhhhh!" (Julgo que ouvi um "Que querido!" lá pelo meio!) 

Faltam 10 dias.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Psst...

Psst... psst... vão dar um olhinho ao Asas para voar! ...

Obrigado!

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Da total ausência da noção de espaço.

Uma das prioridades (ou A prioridade) assim que pise o solo helvético é encontrar uma casa para a família. Claro que estou careca de visitar os sites com as ofertas para aluguer de casas e já tinha constatado duas coisas essenciais: são poucas casas disponíveis; as disponíveis são caras. Definimos que, neste momento poderemos ficar-nos por uma casa apenas com 2 quartos. E então partimos à descoberta da casa ideal, muito embora ainda apenas virtualmente!
Mas, este fim-de-semana ao discutir o assunto com um amigo e enquanto lhe mostrava as ofertas e a sua localização relativa ao hospital onde vou trabalhar e considerando os transportes públicos disponíveis bem como as escolas para os putos e por aí fora, ele sai-se com esta observação: "Mas olha que a maioria destas casas são muito pequenas!", e eu "Pequenas? Pequenas como?", e ele "Então, lembras-te da minha anterior casa?" (claro que me lembro!) "Essa casa tinha uma área total de 60 m2." A casa em questão é mi-nús-cu-la. Eu olho para a lista de casas que tenho à minha frente: 58, 64, 76, 61, 55, 70, 63 m2...
ISSO É O TAMANHO DO MEU RÉS-DO-CHÃO!! Como é que vai ser a vida desta família de 4, dois dos quais rapazes pequenos que fazem tudo menos estar sossegados? Como será a vida numa cozinha do tamanho de uma cabine telefónica? Qual será a sensação de, durante o sono, colocar o braço de fora da cama e conseguir tocar nos meus filhos que dormem no quarto do lado? Como será estar sentado no sofá da sala com as pernas esticadas pelo corredor? E os meus filhos, com apenas um quarto para dois, julgo que terão uma convivência sã mas barulhenta! E convém lembrar que não haverá jardim para enxotar os putos... a não ser que os enxote para as escadas de serviço do prédio... Mas, acima de tudo o que mais me preocupa é a seguinte questão: como é a vida numa casa com apenas UMA casa-de-banho? Digamos que, ao acordar, o banho é apenas a segunda coisa que eu faço no WC...
Portanto, o espaço a e sua ocupação serão preciosos principalmente para quem, como eu está habituado a ter o espaço de uma vivenda (ainda que pequena) e que gosta de se sentir "à larga". Por isso viro-me para a cidade santa de Estocolmo e ajoelho-me rezando ao todo-poderoso deus IKEA, criador de todo o espaço útil de arrumação dos humanos e suas tralhas,  que me dê força e inspiração para sobreviver à gloriosa aventura que me espera. EXPEDIT! (é como dizer "ámen" mas no vocabulário IKEA.)

Faltam 23 dias.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Aicanervos!!!!

Eu realmente gostava de voltar a escrever coisas giras mas... é difícil quando se passa dia após dia em casa! Neste momento chegámos áquele momento em que continuam ainda muitas coisas por arrumar mas todas essas coisas nos fazem ainda muita falta no dia-a-dia.
Só me apetece começar a enfiar tudo nos caixotes...

Faltam 25 dias.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Closure.

"Resolveste a questão do cão? Com quem fica ele?"

Esta questão, colocada pela Marta num comentário ao post anterior, deu-me o pretexto perfeito para abordar uma questão muito sensível para mim: o "dossier" Gastão. Depois de muito hate mail e das mais variadas acusações de insensibilidade e canalhice porque estava a abandonar o meu cão e que não estava a fazer tudo ao meu alcance para o tentar levar comigo, não houve uma única pessoa por entre esses críticos que tenha fornecido uma solução, que se tenha voluntariado para resgatar o coitado do cão das garras de um dono insensível e cruel. Entretanto houve uma pessoa que me contactou e se comprometeu a adoptar o Gastão mas, na hora da verdade, desapareceu. Deixou de atender telefones, não respondeu a mensagens. Inicialmente pensei que talvez tivesse acontecido almas mas acabei por descobrir que essa pessoa está bem através do seu mural do Facebook que não está bloqueado (lição: cuidado com as redes sociais!). Obviamente que essa pessoa não estava obrigada a coisa nenhuma mas um aviso "afinal pensei melhor..." teria sido agradável.
Os meses foram passando e a situação arrastou-se até ao ponto em que começámos a pensar num plano B. E, neste caso, o plano B seria um Hotel para cães. O Gastão ficaria hospedado num hotel até que se encontrasse uma solução mais definitiva. E até já tínhamos tudo acordado com um desses hotéis. Contudo, Gastão é nome de sortudo (foi baptizado com o nome do pato da Disney que tem toda a sorte, o primo do Donald) e a situação acabou por se resolver da forma mais inesperada: a pessoa que me alugou a casa e que vem para cá viver já em Outubro perguntou, no dia em que veio visitar a casa, se o cão também estava incluído! Conversámos seriamente e ficou decidido: o Gastão fica com ela continuando assim na sua própria casa!
Apesar disso, não julguem que vamos deixar de nos preocupar com ele. Continuarei a sentir-me sempre responsável por ele até porque nunca se sabe o rumo que a nossa vida vai levar. Eu sou a prova viva disso mesmo.
Por isso, obrigado à Marta por ter perguntado e obrigado a todos aqueles que se preocuparam genuinamente com o Gastão (e eu sei que foram muitos os que nos tentaram ajudar). Aos outros, aos "defensores dos animais", fanáticos, fundamentalistas, adeptos do "gosto mais dos animais que das pessoas" __________________________ (a completar ao gosto de cada um).

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Marcante... mas só por instantes!

Ontem suspendi a minha inscrição na Ordem dos Enfermeiros e entreguei a minha cédula profissional. Continuo a ser Enfermeiro mas agora não em Portugal. Não digo que não senti nada, senti uma leve sensação de desapontamento porque aquela Ordem, que nos devia representar e proteger, assiste num luxuoso cadeirão à fuga dos seus profissionais para outros países. Eles lá patrocinam estudos para relevar as razões desta emigração (razões essas que todos nós conhecemos, sem ser necessário um único estudo) mas não vi um único com acções para diminuir esta realidade.
Mas depois saí para a rua, senti o vento fresco na face e deixei de pensar no meu passado e olhei para o meu presente, imaginando o que pode ser o futuro!
Faltam 30 dias.

domingo, 28 de agosto de 2011

Marcar passo.

Estamos prontos. Depois de tudo o de mais importante estar tratado faltam apenas alguns aspectos mais acessórios a resolver antes de partir. O que quer dizer que neste momento encontro-me numa posição em que pouco mais me resta que esperar. E eu detesto esperar!
Com tudo bem encaminhado em Portugal, na Suíça apenas (este "apenas" entre aspas claro!) o meu posto de trabalho e um sítio para dormir estão assegurados, faltando ainda tudo o resto para que o resto da família se possa juntar a mim. E assim tenho passado muitas (muitas!) horas em frente ao computador a ler de tudo um pouco sobre a Suíça e os Suíços. Já percebi (finalmente) os princípios básicos da assistência na doença, não existe um Sistema Nacional de Saúde como em Portugal mas sim um sistema privado que é alimentado por Seguradoras. Todos têm de subscrever um seguro de saúde e existem várias modalidades de seguros (e vários preços claro!); o sistema bancário é muuuuito mais vasto que o nosso e muito mais complicado também! Para uma simples conta à ordem (que em Portugal é praticamente gratuita) é imensas modalidade e também se paga. Temos de estar muito atentos ao que contratamos com o banco e o simples acto de ir ao Multibanco (na Suíça não existe multibanco universal e cada banco tem a sua própria rede de caixas automáticas) pode sair muito caro se não estivermos atentos; os abonos de família são fixos e muito mais altos que em Portugal (cerca de 200 francos por criança); descobri um estudo que compara o nível de vida entre vários países da Europa e pude constatar que há aspectos em que é mais caro viver em Portugal que na Suíça (serviços de Internet e telefone por exemplo, são mais caros cá!) mas posso afirmar que globalmente o nível de vida na Suíça é cerca do dobro de Portugal. Se considerarmos que os ordenados na Suíça são cerca de QUATRO VEZES superiores...
Mas o que me fez realmente pensar acerca do meu futuro foi um artigo que encontrei, escrito por um francês especialista em recursos humanos e que se dedica essencialmente a estudar a integração dos emigrantes (franceses, mas não só) nas empresas suíças. Esse artigo enumera algumas regras/conselhos para uma boa integração na cultura empresarial (e pessoal) suíça. Saliento estes:

- No trabalho, treine-se para ter (e para inspirar) confiança nos colegas : na Suíça, contrariamente ao que se passa em França (e em Portugal, digo eu!!), as relações de trabalho são baseadas numa confiança recíproca entre empregador e empregado. Não utilizar formalismo excessivo, não demonstrar desconfiança, não ter uma atitude reinvidicativa, respeitar a hierarquia no local de trabalho.

- Adopte a "atitude suíça" face ao trabalho: evite os conflitos, pense "colectivo" e implique sempre a equipa nas decisões, não seja demasiado "familiar" com os colegas, cumpra as suas promessas.

- Atenue a sua cultura francesa, ela é um pouco barulhenta demais para os Suíços (também se aplica lindamente ao Tuga, não acham?): seja discreto, tente não se evidenciar em demasia, escute os outros. 

Estes "avisos" dão que pensar... mas sinceramente, depois de anos e anos a trabalhar ao sabor do vento e das loucuras dos chefes, acho que me vai fazer muito bem trabalhar com linhas directas e muito bem definidas! Faltam 33 dias.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Profissão: Dono-de-casa, desesperado. Ou A Falta que uma Mãe faz.

Facto: estou sozinho em casa com os dois miúdos há dois dias.
Estou acordado desde as 5 e 30 da matina, desde que.  o David reclamou o seu biberão e não mais quis dormir. O Gabriel acordou ás 7. Pequenos-almoços cerca das 8 e o resto do dia consistiu em: seguir o David para todo o lado, tentar que ele dormisse, sem sucesso, separar as guerras territoriais entre irmãos, tentar das alguma atenção ao Gabriel e sair com ele e a sua bicicleta (David no carrinho) para me arrepender logo depois. Almoço, nada de sestas que a vida não está para isso. Mais perseguições, mais gritos, berros e birras, quedas e empurrões. Já não sinto as costas porque o David já só quer colo. Final da tarde, a ausência de sesta começa a produzir os seus efeitos. Infelizmente não se traduzem em sono ou abrandamento da actividade. Pelo contrário, estão ligados à ficha! O jantar passou. nem sei bem como, mas sei que estou cheio de sopa pela roupa toda. Banhos, história, xixi e cama. O João Pestana deve estar de férias. O David parece que dormiu toda a tarde e está "on fire" no seu berço. Atira com a sua almofadinha de dormir e com a chucha e mistura riso com choro num padrão verdadeiramente esquizofrénico. O Gabriel tem medo dos monstros debaixo da cama e exige a minha presença ao seu lado. Ok, Ok. Vai tudo para o meu quarto, Gabriel na minha cama, David ao meu colo. Cedem finalmente. Desço as escadas e contemplo o cenário desolador: a cozinha tem ar de ter sido atacada à granada. Loiça suja por toda a banca, pacotes de leite abertos, o Cerelac na mesa. O chão está cheio de grãos de arroz, manchas vermelhas de ketchup e verdes da sopa. Há relva e folhas do jardim, os meus chinelos, as sandálias dos putos. Há brinquedos espalhados por toda a casa (donde surgiram tantos bonecos?!), cascas de maçã, uma embalagem de iogurte no sofá, guardanapos em cima da mesa da sala.
Acho que devia dar uma arrumadela rápida nisto mas estou demasiado cansado para isso. Parece que levei uma tareia. Vou tomar um café tentando não pisar  nenhum dos brinquedos espalhados pelo chão. É que eu ando sempre descalço pela casa. Além disso, o dia amanhã começa cedo. Aí por volta das 5 da manhã...

Mafarricos.

Dois dias em casa, só eu e os miúdos. Sinto-me como se tivesse sido espancado com um taco de basebol. Obrigado e desejem-me sorte para os próximos dias.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Dilemas, dilemas...

Temos por garantidas as melhores coisas da vida. Nesta altura de férias, em que é comum passar-se algum tempo em hotéis, com mais ou menos estrelas, reconheci finalmente o que mais prazer me dá nos hotéis para além do pequeno-almoço pronto a comer, a piscina e o respectivo bar e o encontrar o quarto arrumado quando o deixámos tão caótico como se uma granada lá tivesse rebentado. E meus amigos, o que mais prazer me dá nos hotéis é... encontrar a sanita impecavelmente limpa e bem-cheirosa tooodos os dias!
Existe lá prazer mais básico, subconsciente e primário do que cagar numa sanita limpa? A pele sensível e branca do rabo em contacto com a alva porcelana, o cheiro fresco e limpo que emana do WC Pato, a sensação fresca do contacto do rabo desnudo com o frio do tampo, primeiro aquele arrepio do frio agridoce e depois aquela fusão perfeita entre as nádegas e a sanita onde, ao fim de algum tempo já não se sabe bem onde começa um e acaba o outro... ah, o prazer! E assim devia ser, um direito básico do Homem a uma sanita limpa, cheirosa, brilhante, resplandecente todos os dias, até ao fim dos dias.
Mas enfim, a crua realidade dá-nos chapadas firmes todos os dias. As nossas sanitas não são limpas todos os dias e, crueldade suprema, a vida ensina-nos que não são fadas nem duendes que tratam de dar ao nosso rabo o contacto com a porcelana que ele merece. Não, temos de ser nós próprios a tratar disso. E nós tratamos. Com mais ou menos à vontade, mais ou menos asco, mais ou menos náusea, nós tratamos da nossa sanita. Como eu tratei ainda hoje.
E agora, findo o jantar e tomado o belo café laxante vejo-me diante deste dilema, encurralado entre duas questões que se excluem mutuamente. Preso entre a perspectiva animadora e gulosa de sentar o meu belo rabo de pele branca naquela alva porcelana resplandecente e aí mesmo satisfazer um dos prazeres mais básicos de todos os Homens e, por outro lado, cagar aquilo tudo outra vez!
Era tão mais fácil se existissem umas fadas-madrinhas...

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Girls night out.

Foram assistir ao concerto onde deve ter ocorrido a maior concentração de trintonas/quarentonas adolescente-saudosistas. I wanna lay you down in a bed of roses... mas os espinhos são coisa para te dar cabo das costas!

sexta-feira, 29 de julho de 2011

É de cortar os pulsos com uma lâmina pequenina e romba.

Detesto, abomino mas acima de tudo não entendo o conceito do cartão "Viva Viagem" para os transportes na Grande Lisboa. Sinceramente, dá vontade de..... AHHHHHH.
Vejamos: trata-se de um cartão, um bilhete, uma merdinha de um rectângulo de papel magnetizado que supostamente (e aqui o "suponhamos" é muito importante) e segundo que é publicitado, facilita o usufruto dos transportes colectivos em Lisboa. Em teoria compra-se o tal papelinho (50 cents só o rectângulo!) e depois carrega-se com viagens e siga! Nada mais errado. Então, eu que raramente ando de transportes, chego ao "cacilheiro" e compro 2 viagens. Primeiro, entro na barcaça e saio no Cais do Sodré e dirijo-me à bilheteira do Metro e solicito o carregamento com mais duas viagens, desta vez para o dito metro. "Ah e tal não porque este bilhete já tem viagens do cacilheiro e assim é impossível e tem de comprar outro cartão e carregar com viagens do metro." Hmm? Diga? Então e não há alternativa? Sei lá, um bilhete que dê para todos os transportes? "Ehhhh, há um bilhete diário para turistas mas custa para lá de uma pequena fortuna." Ah pois é... Mais dois bilhetes (mais um euro em papel!) e já vão quatro rectângulos verdes (2 cacilheiro + 2 metro). E siga.
Entretanto ponho-me a pensar: "Peraí! Então se um gajo quiser ir na CP até Cascais ou ir no eléctrico até ao Castelo de S. Jorge... são mais 2€ em mais dois bilhetes num total de 6 (!) bilhetinhos verdes, todos igualinhos que ás tantas um indivíduo já não sabe qual é o do metro e qual o do barco e tem que passar todos na merda da máquina que lê os malditos?! Nãããã..." E procuro melhor e encontro o "Cartão Zapping". O que, dito assim, parece que é um cartão diferente. Não é. É a mesmíssima coisa, um rectângulo verde igual aos outros todos que se carrega com DINHEIRO e não com viagens! Genial. Portanto, os génios que imaginaram este esquema decidiram que existe diferença significativa e inconciliável entre VIAGENS e DINHEIRO!!! Génios é o que vos digo!
Mas como já estava farto de tantos bilhetes verdes (e feios ainda por cima) distribuídos por todos os bolsos (metro no bolso direito, barco no bolso esquerdo, carris no bolso de trás que aquilo são todos iguais e um homem tem que se orientar de alguma maneira!) vai de comprar mais dois papelinhos (1€ portanto e carregar com dinheiro, não com viagens, dinheiro. E siga. Na volta para a margem sul já que estávamos perto de um comboio fertagus e tínhamos o bendito cartão zapping, decidimos regressar de comboio. E a porcaria do cartão nada de ser aceite pela maquineta de validação. "Olhe, ófaxavor, senhor da bilheteira. Isto parece que há aqui sarilho porque a máquina não lê isto e eu ainda agora meti dinheiro no zapping." E ele responde: "Ah isso é zapping? Pois, dá em todos os transportes menos no comboio da ponte..."

P****** que pariu pá!

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Perspectivo uma vasectomia.

Estou de férias. Quer dizer, afirmar que estou de férias é mentir. Estou em casa, digamos. E estou em casa ocupado a empacotar toda a casa e a agrupar os respectivos pacotes de tralha acumulada ao longo dos últimos anos em várias categorias: "levar", "vender", "dar", "lixo". Pelo meio dou asas ao trolha que há dentro de mim (fiz um pequeno estágio no Instituto do Balde de Massa mas chumbei categoricamente na categoria de "servente de pedreiro") e vou preparando a casa para as pinturas que irei levar a cabo nos próximos dias. Limpar paredes, aplicar massa nos furos e fendas, adesivo nas portas e cerâmicas para não pintar o que não devo. E isto tudo estaria muito bem não fosse o pequeno pormenor: OS PUTOS ESTÃO EM CASA!!! O que quer dizer que, na prática tudo o descrito acima é feito quando eles estão na sesta o que, convenhamos, faz com que tudo se processe muuuuito devagar.
Resumindo, estou escavacado! O Gabriel quer brincar com o pai, correr com o pai, jogar à apanhada com o pai, ás escondidas com o pai, todo o dia é tempo de brincar. Já o David, ahhhh o David, 12 meses de energia que não cessa nunca, ele anda pela casa, para cá e para lá e depois para lá e para cá, ele trepa para cima das cadeiras e daí para cima das mesas, para cima do sofá, para cima do móvel da sala e quase para cima da TV, ele trepa para estante aos quadradinhos do IKEA e enfia-se num dos quadradinhos feito bibelôt humano, e ele sobe escadas... para apenas voltar a descer depois de lá chegar acima! Sobe de depois desce, sobe e depois... desce. Sobe, fica um pouco no quarto e depois desce. E quando contrariado contorce-se, esperneia e deita-se no chão o sacaninha! Nem uma palavra sequer emite e já faz birras. Deixo-o o no chão a contorcer-se e ele, quando se apercebe que está a pregar aos peixes, levanta-se, procura-me e vai de iniciar a birra novamente! Entretanto as minhas brincadeiras com o Gabriel são constantemente interrompidas o que faz com que ele, para reclamar a sua parte de atenção, se transforme numa espécie de Homem-Aranha misturado com Superhomem arraçado de Hulk. Resultado: só se vê um vulto a voar e a seguir um estrondo que significa destruição! Inevitavelmente, são cada vez mais frequentes as brigas (físicas digo-vos eu!) entre os irmãos...
Juro por todos os santinhos, pelos putos arraçados de mafarricos que pulam, correm e gritam aqui por casa, que preferia trabalhar 16, 24 ou até 48 horas consecutivas. Estaria muito menos cansado! Garanto que me dói o mais pequeno músculo do meu corpo (aliás, não imaginam o sofrimento que está a ser escrever este texto!) e agora, a dormir, parecem dois anjinhos.... E toda esta experiência que relato é só metade, a outra metade é a parte da Mariana!

E pensar que ainda faltam 2 meses e meio até voltar ao trabalho...

quinta-feira, 14 de julho de 2011

De pantanas!

Cada vez mais se aproxima a data de partida e cada vez tenho menos vontade de trabalhar porque estou demasiado preocupado com a desocupação da minha casa. Juro que tenho fortes enxaquecas cada vez que abro os armários da cozinha. MAS DE ONDE É QUE SURGIU TANTA TRALHA??? A sério que não fui eu que enfiei tudo aquilo lá para dentro, deve ter sido alguma entidade paranormal ou um duende ou um poltergeist qualquer. Copos e copos e pratos e travessas e panelas e frigideiras e tupperwaoores e tudo e tudo e tudo. Mais de 90 % das porcarias que lá estão nem sabia da sua existência. E AGORA O QUE FAÇO COM TUDO AQUILO?
A mesma coisa com os livros. Tanto livro e mais livro, romances, ficção, biografias, portugueses e estrangeiros e calhamaços da faculdade. E quando se pensa que estão todos, finalmente, dentro da caixa respectiva, PUMBA, lá aparece mais outro enfiado num canto qualquer! E por falar em caixas, julgo que devo ter alguma árvore de onde nascem caixas de cartão pois elas parecem amontoar-se, cheias e vazias, por toda a casa. Os roupeiros são outro pesadelo! Principalmente os dos miúdos. Como é que gente tão pequena pode ter assim tanta roupa? E brinquedos?? Ui, os brinquedos. São ás centenas e não dão jeitinho nenhum para arrumar
De repente lembrei-me que tenho CD's, objecto que já não utilizo vais para uns anos valentes. Mas pronto, têm valor sentimental e trazem memórias, arranja-se uma caixa pequena e enfiam-se lá os cêdêzitos e marca-se a caixa "CD's FRÀGIL"... menos mal, isso está resolvido. Mas o resto, o resto, meu deus! Pratos, copos, mesas, cadeiras, roupas, roupas de cama, camas e colchões, TV, armários, sofás, brinquedos, livros, toalhas de mesa, electrodomésticos, candeeiros, quadros e tapetes...
A nossa casa começa, lentamente, a esvaziar-se de coisas e a encher-se de caixas de cartão. Guardaremos apenas uma pequena percentagem de tudo o que temos em casa, apenas artigos pessoais e outros com algum valor sentimental. O resto organiza-se em dois lotes: para vender e para dar.
À atenção de Harry Potter, caso leia este blog: podes emprestar a varinha para eu aplicar um feitiço qualquer tipo avada kevadra ou accio ou assim, aqui nas tralhas de casa? Obrigado.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Long live Rock n'Roll!!!

Esta sempre foi uma banda que segui, desde o primeiro album. No início foi a curiosidade de ver como se saía um ex-membro dos Nirvana (banda que venerei para lá do razoável, na minha adolescência) mas depois foi a música. Confesso que estranhei ouvir a voz do ex-baterista dos Nirvana a cantar melodias tão leves, alegres, ritmadas quando estava à espera de ouvir depressão, desespero, raiva pela morte ainda tão recente de Kurt Cobain. Mas Cobain era grunge, era revolta e angústia e isto, isto meus amigos é Rock!
O seu último álbum é, para mim, perfeito. Podem dizer: "os mesmos sons de guitarra, bateria com fartura, o mesmo de sempre" mas não. Há ali algo. O som é puro, rude, cru. Foi um álbum gravado em fita e não em digital. Tudo ali é genuíno, orgânico, puro, original. E trouxe-me tantas sensações antigas, de miúdo vibrante com o barulho das guitarras, a batida da bateria e o ritmo do baixo!  Actualmente, nesta fase boa da minha vida em que me preparo para mudar, tenho a discografia dos Foo Fighters em loop no meu iPod! Nenhum outro som espelha tanto a minha felicidade, a boa onda, a excelente perspectiva. Nem Radiohead, nem Pixies, Cure muito menos.
Nunca fui a um grande festival de verão. Este ano vou ao Alive! ver estes senhores. E que ansioso estou!!! Para quem é fã: o "rockumentário": Foo Fighters - Back & Forth é muito bom.


E para preparar a noite de 7 de Julho, Passeio Marítimo de Algés...



YEAAAAAAAAAHH!!!

Apelo.

Quem conhecer alguém que faça transportes para o estrangeiro pode indicar-me o contacto? Tenho algumas caixas de tralha que preciso enviar para a Suíça.
Merci!

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Pancadinhas de Amor.

Esta semana, Festa de S. Pedro no Seixal! Por lá andámos divertidos com o mais velho a pedir para andar em tooooodas as diversões e o mais novo fascinado com as luzes e todo o barulho. Mas o mais divertido mesmo foi andar nos carrinhos de choque com o Gabriel! Céus! Há anos que não andava nos carrinhos de choque e já não me lembrava como aquilo é mesmo, mesmo divertido! Todo o ambiente é tão foleiro com os milhares de luzes coloridas, os néons fatelas, as pinturas a plagiarem rascamente tudo o que é marcas e imagens de referência e a música, aiiii a música!, tudo o que é hits orelhudos dos grupos "dos jovens" ornamentado pela batida mais básica das pistas de dança, o que faz com que nos pareça que estamos a ouvir sempre a mesma música, sem intervalos! Mas é isto mesmo a magia destas festas populares, o gosto duvidoso, a tentativa falhada de ser "cool", o exagero das músicas e das luzes. Mas voltando aos carrinhos de choque...
É incrível que o ambiente e as personagens da pista sejam os mesmos de que me lembro, de há 15 anos atrás! Os mesmos grupos de rapazes a contar os trocos para comprar fichas, os mesmos grupos de raparigas a fazerem-se difíceis. Na pista lá andam aos pares, dois rapazes num carro, duas raparigas no outro em que eles as perseguem e tentas abalroá-las o mais violentamente possível! Julgo existir aqui uma metáfora para a relação entre homens e mulheres mas nem sequer me atrevo a desenvolver... Aliás, parece-me que deve ser o único sítio do mundo onde uma pancada lateral (ou frontal!) certeira é uma maneira aceite de dizer "Gosto de ti miúda!". E lá andam elas, alegremente a serem abalroadas à bruta enquanto se fazem fortes e eles, sorriso maroto nos lábios a murmurar "Gostas assim, à força não gostas? Toma!"
Depois, os mesmos personagens de há 15 anos desfilam naquela passerela:
-O Arrumador-de-Carrinhos: o rei e senhor da pista. É o fulano, empregado, que tem como função arrumar os carrinhos abandonados no meio da pista. Mal encarado, não sorri nunca, cigarro no canto da boca. Toda a gente o respeita, ele é o mestre dos carrinhos. É o salvador das meninas cujo carro não anda lançando-se pelo frenesim de carros que correm em todas as direcções e pendura-se no para-choques agarrando-se à barra traseira do carro com um braço e conduzindo o carro com a mão livre, numa posição protectora para as donzelas em perigo. Passa-se se alguém bate contra a fila de carros que ele tão bem alinhou.
- Os Rufias-da-Pista: dois rapazes já no final da adolescência. Sentam-se não no banco do carro mas sim em cima dos encostos traseiros do mesmo. Conduzem como loucos tentando bater o mais violentemante possível contra os carros com as miúdas mais giras. São constantemente perseguidos pelo Arrmador-de-Carrinhos, que desafiam.
-As Miúdas-Mais-Giras-da-Pista: duas raparigas, giraças, conduzem de nariz empinado e não perdem nunca a postura por mais vezes que as atinjam. Acabam por ir-se embora, enfadadas porque já nenhum rapaz lhes liga.
- O Pintas: um gajo claramente já trintão mas que gosta de passar por adolescente. Nunca tira os óculos de sol, gira pela pista e não gosta de ser tocado. Sorri maliciosamente para as adolescentes que se agrupam nas laterais da pista. Passa a noite dentro do carrinho porque não quer ir para casa da mãezinha com quem partilha a cama.
- Homem-Trintão-Agarrado-a-Filho-Pequeno: diverte-se mais do que o filho. O pequeno vai muitas vezes com um ar aterrorizado. (ora aqui está um retrato que me parece demasiado familiar...).

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Je suis, tu es, il est...

Nos últimos tempos tenho dedicado algum do meu tempo a estudar o Francês. Aliás, a minha companheira mais próxima nos últimos dias tem sido a Gramática Essencial do Francês que, neste caso, foi traduzida do Alemão! Confusos? Pois.
Mas enfim, ando perdido por entre o Imparfait, o Conditionnel, o Subjonctif e o Gérondif. De vez em quando encalho nas terminações e liaisons e não percebo porque é que aquele verbo está conjugado daquela forma. Farto-me de ler artigos sobre Portugal e sobre os Portugueses na Courrier International e isso é bom porque percebo qual a imagem que os estrangeiros têm acerca de nós! E tenho a enervante tendência de traduzir automaticamente para o francês (por vezes em voz alta!) tudo o que esteja a ler. Dou por mim a pensar "como é que se diz isto em francês" e a fazer contas de como se constrói o presente do conjuntivo: será o radical do presente com as terminações do imperfeito ou o radical da terceira pessoa do plural? Nem uma coisa nem outra, já estou a confundir esta merda toda outra vez...
Imgaino como serão os meus dias lá, a falar uma língua adoptada. Sinto que é muito cansativo falar numa língua que não é a nossa, o cérebro a trabalhar, a fazer as ligações todas e a procurar o que vai com o quê! E isto nota-se porque o Português é para nós como respirar, é inconsciente, fazêmo-lo sem nos dar-mos conta disso. Mas o que me preocupa é, para além de me fazer entender o melhor possível e não fazer figura de urso, não trocar presente com futuro e masculino com feminino, como é que raio é que me vou desemerdar num debate, discussão, troca de galhardetes? Porque em português é fácil: "tás é parvo!, isso querias tu agora, vai mazé trabalhar!, mas isso tem lá alguma lógica? Não percebes nada disto vai mazé prá escolinha e se não estás bem muda-te!", percebem a ideia não é? E depois ponho-me a tentar dizer isto tudo em Francês e... "tu es fou! tu voudrais ça maintenant, va travailler! mais il y a de logique? Tu ne sais rien retourne à l'école et si tu n'est pas d'accord tu peux te changer!". Isto não funciona...
Merde.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Hoje, pela primeira vez na vida, comprei um bilhete de avião só de ida. Ainda não sei bem o que sentir ou o que pensar...

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Carreiras alternativas.

O post anterior não surge do nada, apenas porque me lembrei de compilar todos os esteriótipos associados ao emigra tuga. Nada disso. A verdade é que encontro imensa gente (mais do que consigo compreender) que ao saber que vou trabalhar para a Suíça me pergunta: "Mas vai trabalhar como enfermeiro ou..." deixando a pergunta no ar como que processando as alternativas. E isto mostra um grande preconceito face ao emigrante português! E eu lá respondo "Então...? Pois..." mas com muita vontade de responder algo do género:
"Nã! Enfermeiro? Era o que faltava! Ia lá eu quebrar com gerações de pedreiros, jardineiros, empregados da limpeza, empregados de cozinha, garçons, barmans e porteiros de hotel portugueses que dominam por terras helvéticas. Pfff."
Sem desprimor para nenhuma destas profissões (eu até tenho familiares muito próximos em 4 ou 5 destas profissões lá na Suíça!) até porque em algumas delas se ganha mais que na enfermagem!, mas isto só revela que na mente das pessoas se vais trabalhar para o estrangeiro deve ser para fazer este tipo de trabalhos.  

terça-feira, 21 de junho de 2011

Tentativa parva e provavelmente falhada de reunir todos os esteriótipos do emigrante português.

Hoje sonhei com o futuro próximo! Lá vinha eu em plena autoroute com as fenêtras abertas, na minha linda voiture rebaixada, vidros escuros e um enorme escorpião no vidro de trás. Na rádio o "Meu Querido Mês de Agosto" e os putos lá atrás, sentados no meio das malas, das geleiras, dos chocolates que comprei para a família toda. E no retrovisor um terço e a imagem de Nª Sra.
Eu venho com um enorme fio de ouro, o cabelo curtinho mas com uma melena que me tapa o pescoço. Agora só falo "françuguês": David vien ici e passa-me aí a viande; Gabriel tu vas tomber... eu não te disse que ias caír!!! Vimos passar o mês na nossa maison na aldeia, uma bela maison com 7 quartos, 2 salas, 2 cozinhas, varandas a toda a volta e escadas exteriores. Com a pressa e assim que passo a fronteira e entro em Portugal, toca a acelerar com fartura que aqui não há cá multas como em França e em Espanha e até passo alguns fogos rouge que ninguém viu! Ah, adoro Portugal...
Mas afinal Portugal é um país de merda! As autorroutes são más, as da Suíça são muito melhores! E os portugueses não sabem conduzir. Se fosse na Suíça não esperava tantas horas para ser atendido no banco e no hospital. Na rua não há pubelas e está cheio de lixo no chão. Por isso é que atirei o saco de lixo que trazia no carro desde Paris, afinal isto já está tudo tão sujo que não se nota. O que nos vale é o sol.
Na Suíça não há sol e os suíços são racistas. A comida é cara e não presta para nada. O que vale à Suíça são os francos e as autorroutes para portugal. E agora está na hora de partir, é carregar o carro com vinho, bacalhau, presunto, maças, batatas, cebolas, Vinho do Porto (que a madame minha patroa gosta muito!), chouriços que não há disso lá nas montanhas!
Au revoir e até ao meu regresso!

Falhei algum (esteriótipo)?

domingo, 19 de junho de 2011

Divorciado.

Casei-me com ela em 98. Nunca foi uma relação fácil nem sequer consensual. Duas visões completamente diferentes do mundo. Posso afirmar que foi um casamento por conveniência e em 13 anos de vida conjunta, nunca me senti verdadeiramente confortável naquela situação. Mas enfim, a vida corre, o tempo escoa e fui ficando. Primeiro por medo de um futuro fora daquela rotina, depois por obrigação.
Não me esqueço da angústia que senti no dia do casamento, um sentimento forte e físico que me deixou doente. As mão tremiam, o peito apertava, a testa suada. Mas não havia como voltar atrás. Respirei fundo, enchi-me de coragem e fui em frente! Os primeiros meses foram intensos em sentimentos de ansiedade, repulsa, tristeza, depressão. Mas com os anos, um homem a tudo se habitua. Fiquei, mas sempre com aquele sentimento de que não pertencia ali. Nos momentos menos bons jurava que iria abandonar logo que pudesse. Tentei convencer-me que, com o passar dos anos, iria habituar-me ás condições daquela relação, iria encarrilhar e entrar na rotina mas o passar dos anos, da idade só me veio trazer mais certezas, mais vontade de sair e de mudar. Senti-me cada vez mais preso, mas agrilhoado, diminuido, oprimido.
Tentei sair em 2008 mas não consegui, a Lei estava contra mim. Em 2009 também. Voltava para ela contrariado, o coração apertado, o sangue a ferver, a vontade de partir tudo e fugir. Muitos foram os que me perguntavam porque queria abandonar uma relação de tantos anos, segura, consolidada. Menos os que me encorajaram. Estava furioso com tudo mas respirei e acalmei. Criei este blog e isso ajudou. Vivi estes últimos 3 anos na sombra mas agora acabou.
Casei com a tropa em 98. Treze anos depois estou, finalmente, livre!

Metáforas à parte: entrei para o Exército em 98, estava desempregado e vi ali uma saída. Sempre tinha dito que não queria nada com fardas... Tirei o curso de Enfermagem lá dentro, pago pelo exército e isso colocou-me perante um contrato obrigatório de 8 anos. Ao longo dos anos nunca senti que aquela farda me servisse, senti-me sempre um estranho áquela organização. Para se ser militar tem que se acreditar na organização e na ideologia. Eu nunca acreditei, ainda hoje não acredito. Senti-me muitas vezes frustrado e humilhado mas enfim, é a tropa. Cumpri a minha obrigação e agora é hora de partir noutra aventura. Não posso afirmar que foi uma perda de tempo. Se não tem sido essa a minha opção, não seria nunca quem sou hoje. Aprendi muito e cresci muito nestes 13 anos de exército mas raramente pelas melhores razões. Poderão dizer que o Exército me pagou o curso e me deu emprego e isso é verdade, mas acreditem que o que cobram depois implica juros muito altos: a nossa individualidade e a nossa liberdade. Para muitos isso vale pouco mas não para mim. Se algum militar me está a ler neste momento poderá ou não compreender o que digo. A maioria não compreende e sente-se traído por mim, por ter abandonado a "família militar". É uma pena, mas é compreensível à luz da doutrina militar.
Milhares de vezes imaginei este texto, este dia, o dia em que me veria dono do meu futuro novamente. Não espero que compreendam, todos vós que não conhecem a instituição militar por dentro, mas tinha que escrever isto numa espécie de comunicado ao mundo: estou, finalmente, LIVRE!

DE BORLA!

Parece que está na moda oferecer alfaces e tomates mas nós ESTAMOS A OFERECER LIVROS! Conheçam as BORLAS que estão no Asas para voar!

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Estou além.

A novidade ainda não é oficial, foi um passarinho que me soprou ao ouvido... A ansiedade continua cá, apaziguada pela informação informal que tudo se irá resolver dentro do esperado e dos prazos. Mas, tal como Tomé, eu só acredito quando tiver o papelinho na mão!

Deparo-me agora com uma situação que já não vivia há muito, uma espécie de limbo, uma zona intermédia entre o meu passado e o meu futuro. Por um lado tenho de continuar a trabalhar nos sítios de sempre mas por outro, a minha imaginação já não está cá. A minha mente está noutra dimensão, mais à frente no tempo, imaginando o que vai ser, o que vai acontecer, traçando cenários no novo hospital, no novo serviço, na nova casa, no novo país. Como será falar francês todo o dia, todos os dias, como serei recebido e integrado na nova equipa, como será a adaptação ao clima, como será a nossa nova casa? Preocupo-me principalmente com a integração do Gabriel na nova escola com uma língua diferente, com o facto do David ter que ir para uma creche. Penso em tudo o que terei que fazer de novo lá. E estou entusiasmadíssimo com tudo isso!

Mas também tenho montes de coisas para resolver por aqui. Mas com isso não sonho.

Já não estou cá, estou além!

Ui ui ui!

Novidade da boa na praça! Finalmente.

I'll be back... soon!

terça-feira, 31 de maio de 2011

Desejem-me sorte, ok?

Ouço dizer muitas vezes que Portugal tem dos melhores legisladores do Mundo. Que as nossas leis são muito bem construídas, bem pensadas, melhor escritas. Então porque nos encontramos nesta situação, nesta Torre de Babel onde ninguém se entende? Muito simplesmente porque as leis são dobradas, torcidas, quebradas e ignoradas por quem tem o dever de as fazer cumprir. É por isso que quando vamos à Segurança Social ou às Finanças podemos obter várias respostas diferentes, tantas quantas o número de funcionários a quem coloquemos a questão. Porque as interpretações são dúbias, porque houve uma revisão da lei, porque sim, porque não estou para me incomodar com isso. E mesmo quando mostramos a lei e declamamos ipsis verbis o artigo ou alínea que nos interessa, mesmo assim recebemos como resposta "isso está errado". Temos a suprema arrogância de achar que as leis estão mal feitas, que não se adequam à realidade e, então fazemos como achamos melhor.

É assim com os pedidos de subsídio, na entrega de requerimentos, com as baixas médicas e com as licenças de maternidade. E é assim porque ninguém é verdadeiramente punido. E assim andam os papéis, empurrados de secretária em secretária, devolvidos à proveniência porque a linguagem está mal, porque o artigo está errado porque o papel é do Pingo Doce e o chefe exige que o documento venha impresso em papel Navigator topo de gama. E no final alguém decidiu negar o pedido porque sim. Contra a lei e os direitos de quem pede. Mas que se lixe o que está escrito, quem sabe disto sou eu e se não estiverem satisfeitos queixem-se.

E é por tudo isto que ando ansioso, frustrado, acagaçado. Porque entreguei o requerimento para sair da função pública no dia 6 de Abril e ainda não tenho resposta, porque sei por experiência própria que "eles" passam muitas vezes por cima dos nossos direitos levando-nos a batalhar por um direito que está descrito na lei e a perder tempo e dinheiro. E porque disso depende muita coisa, demasiadas coisas.

E assim peço-vos: desejem-me sorte!

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Loucos, deveras!

"Esses Loucos que Correm" por Marciano Durán

Eu conheço-os.
Tenho-os visto muitas vezes.
São especiais.
Alguns saem de madrugada e empenham-se em ganhar ao sol.
Outros apanham o sol ao meio-dia, cansam-se à tarde ou tentam não ser atropelados por um camião à noite.
Estão loucos.
No verão correm, trotam, transpiram, desidratam-se e finalmente cansam-se... só para desfrutar do descanso
No inverno tapam-se, abrigam-se, reclamam, arrefecem, constipam-se e deixam que a chuva lhes molhe a cara

Eu vi-os
Passam rápido ao longo da alameda, devagar entre as árvores, serpenteiam caminhos de terra, trepam calçadas, fazem jogging na curva de uma estrada perdida, fogem das ondas da praia, atravessam pontes de madeira, pisam folhas secas, sobem montes, saltam charcos, atravessam parques, chateiam-se com os carros que não travam, fogem de um cão e correm, correm e correm.
Ouvem música que acompanha o ritmo dos seus pés, ouvem os padeiros e as gaivotas, ouvem os seus batimentos e a sua própria respiração, olham em frente, olham para os seus pés, sentem o cheiro do vento que passou por entre os eucaliptos, a brisa que saiu do laranjal, respiram o ar que vem dos pinheiros e abrandam ao passar em frente ao jasmim.

Eu já os vi.
Não estão bons da cabeça.
Eles usam ténis com ar e sapatilhas de marca, correm descalços ou gastam sapatos
Transpiram t-shirts, usam gorros e medem o seu próprio tempo.
Eles estão a tentar ganhar a alguém.
Trotam com o corpo solto, passam perto do cão branco, aceleram a seguir à coluna, procuram uma torneira para se refrescarem... e seguem.
Inscrevem-se em todas as corridas... mas não ganham nenhuma.
Começam a corrida na véspera, sonham que correm e levantam-se como as crianças no dia de Natal.
Preparam a roupa que descansa sobre uma cadeira, como fizeram na sua infância na véspera das férias.
No dia anterior à corrida comem massa e não bebem álcool, mas são recompensados com ousadia mal a competição termina.
Nunca consegui calcular-lhes a idade mas provavelmente têm entre 15 e 85 anos.
São homens e mulheres.
Não estão bem.

Começam em corridas de 8 ou 10 quilómetros e antes de começar sabem que não podem vencer, mesmo que faltem todos os outros.
Sentem a ansiedade antes de cada partida e alguns minutos antes do início eles precisam ir à casa de banho.
Ajustam o cronómetro e tentam localizar os quatro ou cinco a quem é preciso ganhar
São as suas referências da corrida: "Cinco que correm como eu."
Basta chegar à frente de um deles e será suficiente para dormir à noite como um sorriso.
Usufruem enquanto ultrapassam outro corredor... mas encorajam-no, dizendo-lhe que falta pouco e pedem-lhe para não abrandar.

Perguntam pelo abastecimento de água e ficam irritados porque não aparece.
Eles são loucos, sabem que têm nas suas casas a água que precisam, sem esperar pela entrega de uma criança que levanta um copo à medida que passam.
Queixam-se do sol que os mata ou da chuva que não os deixa ver.
Eles estão mal, eles sabem que há perto a sombra de um salgueiro ou o resguardo de um beiral.
Não as preparam... mas eles têm todas as desculpas para o momento em que atingem a meta.
Não as preparam... são parte deles.
O vento estava contra, não corria uma ponta de vento, as sapatilhas eram novas, o circuito estava mal medido, os que entraram à frente não deixaram passar, o aniversário de ontem à noite, a costura na meia sobre o pé direito, o joelho a trair-me outra vez, arranquei muito rápido, não deram água, no fim ia acelerar mas não quis.
Gostam de começar a correr e quando chegam levantam os braços , porque dizem que conseguiram.
Ganharam mais uma vez!
Eles não percebem que perderam para cem ou mil pessoas... mas insistem que voltaram a ganhar.
São invulgares.
Inventam uma meta em cada estrada.
Ganham a eles próprios, aos que insistem em olhar para eles desde a calçada, aos que os vêem na TV e aos que nem sequer sabem que existem loucos que correm.
Tremem-lhes as mãos enquanto furam a roupa para colocar os dorsais, simplesmente porque não estão bem.

Eu já os vi passar.
Doe-lhes as pernas, sentem cólicas, custa-lhes a respirar, sentem pontadas nas costas... mas seguem.
À medida que avançam na corrida sofrem cada vez mais desfigurando o rosto, o suor escorre pelas suas caras, as pontadas começam a repetir-se e, dois quilómetros antes da meta começam a perguntar o que estão ali a fazer.
Não seria melhor serem um dos sábios que batem palmas da calçada?
Estão loucos.
Eu conheço-os bem.

Quando chegam abraçam-se à sua mulher ou ao seu marido para esconder o puro amor à transpiração do seu rosto e do seu corpo.
Esperam-nos os seus filhos e atá algum neto ou mesmo o carinho de um avô que grita solidário quando eles passam a linha da meta.
Trazem uma placa à frente que pisca e diz: "Cheguei, missão cumprida!"
Apenas bebem água e molham a cabeça, quase se atiram para a relva para recuperar. mas depois param porque são saudados por aqueles que chegaram antes. Tentam atirar-se de novo mas param porque têm de saudar os que chegam depois deles.
Tentam empurrar uma parede com as duas mãos, levantam a perna desde o tornozelo e abraçam outro louco que chega mais suado que eles.
Tenho visto muitas vezes.
Estão mal da cabeça.
Eles olham com carinho e sem lástima o que chega dez minutos depois, respeitam o último e o penúltimo porque dizem que são respeitados pelo primeiro e pelo segundo.
Aproveitam os aplausos mesmo que venham no fim ganhando apenas à ambulância e ao tipo da moto.
Juntam-se em equipas e viajam 200 quilómetros para correr 10.
Compram todas as fotos que lhes tiram e não percebem que são iguais às da corrida anterior.
Penduram as medalhas pela casa para que quem os visite as veja e pergunte.

Estão mal.
"Esta é do último mês" dizem tentando usar o seu tom mais humilde.
"Esta é a primeira que ganhei" dizem eles, omitindo que as distribuíam a todos, incluindo o último a chegar e o polícia de trânsito.
Dois dias depois da corrida muito cedo já saltam por cima das poças, escalam as cordas, movem os braços ritmicamente, acenam aos ciclistas, batem as palmas das mãos com os colegas com quem se cruzam.
Dizem que poucas pessoas, hoje em dia, são capazes de ficar sozinhos - consigo mesmo - uma hora por dia.
Dizem que só mesmo os pescadores, nadadores e alguns mais.
Dizem que as pessoas não estão usufruindo tanto do silêncio.
Eles dizem que gostam dele.
Eles dizem que projectam e fazem balanços, que se arrependem e congratulam, que se questionam, preparam os seus dias enquanto correm e conversam sem medos com eles próprios.
Eles dizem que os outros inventam desculpas para lhes fazer companhia.

Eu já vi.
Alguns apenas caminham... mas um dia... quando ninguém está a olhar, animam-se e correm um bocadinho.
Em poucos meses começam a transformar-se e ficam tão loucos como eles.
Esticam-se, olham, rodam, respiram, suspiram e atiram-se.
Aceleram, abrandam e voltam a acelerar.
Eu acho que eles querem vencer a morte.
Eles dizem que querem vencer na vida.
Estão completamente loucos.

Uma bela e tocante homenagem a todos os que correm!

quarta-feira, 25 de maio de 2011

A Matilha.

Anda tudo muito escandalizado com o vídeo da miúda a ser agredida enquanto alguém filmava. Obviamente que condeno todo e qualquer tipo de violência mas parece-me que se está a dar demasiada importância ao assunto. Afinal, segundo tudo o que tenho lido tratou-se de um "ajuste de contas" após a agredida ter insultado ou agredido o autor do vídeo, situação essa que indignou as suas amigas e que as levou a fazer justiça pelas próprias mãos.

Eu nunca andei à porrada com ninguém, não reajo a provocações e nunca senti necessidade de me defender fisicamente. Não gosto de violência, acho-a uma demonstração de inferioridade intelectual. Lembro-me perfeitamente de, num Verão durante as férias aparecer um "forasteiro" na terra, um desconhecido que logo conseguiu "sacar" uma das miúdas mais giras da terra. Isso foi muito mal aceite por um dos nossos, claramente cheio de ciúmes. E ele logo tratou de "mobilizar as tropas" para fazer a folha ao desconhecido. Os dias passaram e as sementes de maldizer logo floresceram para ódio e para sede de vingança. Ninguém sabia ao certo qual o motivo de vingança mas a vontade de andar ao soco era muita. Claro que nós seríamos talvez uns 10 contra um desconhecido...

Até que finalmente, numa noite já com algumas cervejas bebidas, o fulano apareceu no "nosso" café para namorar com a "nossa" miúda. E a tensão estalou quando um dos nossos provocou claramente o desconhecido que reagiu, legitimando assim o ataque da nossa matilha. Felizmente eu não sou de beber e, como já disse não gosto de violência. E coloquei-me ao lado do desconhecido e da sua miúda. Claro que me sujeitei a levar nas trombas juntamente com o outro mas o que aconteceu foi que a matilha desmobilizou. Rosnaram e ladraram mas foram-se embora. Fui ignorado durante uns dias mas depois aceitaram-me de volta. E quem não se lembra de ter assistido a uma "espera" à saída da escola onde um grupo se organizava para bater em alguém que tinha agredido ou insultado um dos seus elementos?

Acho que no caso do vídeo se passou algo semelhante: hormonas aos saltos, sentido de matilha (reparem que são duas contra uma) mas, acima de tudo, uma tremenda falta de educação! Aqueles miúdos não têm certamente um bom modelo em casa, não são "meninos de coro", nem os que bateram nem a que foi agredida. O facto de terem premeditado a situação, de terem incentivado a agressão e, ainda por cima a terem documentado e divulgado só demonstra que se tratam de miúdos estúpidos e muito mal educados. Reparem que os pais da agredida não apresentaram queixa e isso é sintomático. Enfim, é um mau exemplo mas acaba por ocorrer entre uma cambada de bestas acéfalas. O problema que se põe agora é: e se o nosso filho se vê numa destas situações? Sublinho que este exemplo não se tratou de bullying, uma vez que se tratou de uma resposta a uma agressão e como acredito que os bons pais não ensinam os seus filhos a insultar colegas de escola esse problema acaba por não se colocar, não nestas circunstâncias.

Se estivessemos num país decente e uma vez que a PSP já conseguiu identificar todos os envolvidos, a Justiça trataria de punir os agressores e reprimir este tipo de comportamento mas os bandidos que por aí andam (cada vez mais novos pelos vistos) já perceberam que isso é nos EUA.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

É uma Casinha portuguesa, concerteza!

Por incrível que pareça há por aí muita gente que precisa de fazer pela vida. Tudo bem, não se trata de um sonho tão nobre e tão atractivo como ir estudar para Bruges, para o prestigiado College of Europe, para tirar um Master of Arts in EU International Relations and Diplomacy Studies (com este nome até eu quero ir, que raio!) e levar o gatinho, mas por outro lado a maior parte das pessoas tem sonhos menos elaborados, menos sonantes e que não ficam tão bem em reportagens televisivas como, sei lá, encontrar uma fonte de rendimento porque se ficou sem emprego,não anda aí a aproveitar-se da boa vondade das pessoas, leiloando artigos que lhe são oferecidos e colocando o botãozinho "DONATE" na lista de links.

Então, resolvi sair da apatia criativa que sobre mim se abateu nos últimos meses para mostrar solidariedade para com uma amiga e para vos falar do blog dela. Um blog que vive do trabalho e da criatividade da autora, colorido, divertido e com propostas diferentes. Falo da Casinha da Matilde, visitem!

quinta-feira, 14 de abril de 2011

E assim se vira à Direita num país de brandos costumes.

Como as crises revelam o pior que há nas pessoas.

As conversas de café giram em torno do FMI e da crise. E parece salientar-se um denominador comum no que toca a identificar bodes expiatórios quando já não há argumentos para classificar a actuação de Sócrates: os imigrantes. Os pretos, brasileiros, ucranianos. E isto choca-me. Porque se toma o todo pela parte. Se é verdade que os brasileiros são associados ao crime nocturno, não é menos verdade que a maioria será gente honesta e trabalhadora; se os ucranianos, russos, moldavos estão associados à máfia, a maioria será gente explorada por essa mesma máfia em vez de membros activos da mesma; os pretos, mais antigos, ajudaram a construir este país e julgo que a sua fatia na distribuição da culpa da crise em que nos encontramos não será a maior.

Choca-me mais ainda quando estas pessoas pertencem a um dos povos com mais representatividade em países estrangeiros! Afinal, há sempre um português em qualquer parte do mundo. "Ah, mas os portugueses são gente séria que vai para fora para trabalhar, não é para roubar." como se todos os outros povos viessem para Portugal para roubar a nossa imensa riqueza. Mas, na hipótese de eu estar enganado e se os pretos, brazucas e russos vieram para Portugal para roubar então já chegaram atrasados. Os ladrões, os verdadeiros, são portugueses. Afinal, não podemos deixar os nossos créditos em mãos alheias.


PS: como futuro imigrante não posso concordar com esta visão de quem larga o seu país para procurar o futuro num outro, com melhores condições que o nosso.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Guerra de Siglas

FMI acaba com TGV.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

O problema está sempre no empreiteiro.

Cá está, eis que finalmente se concretiza algo que só os menos atentos julgavam impossível: é chegada a hora do FMI, ou do FEEF, o que na prática é a mesma coisa. Mas afinal que mecanismo é este?

Daquilo que tive oportunidade de ler o processo é parecido ao empréstimo bancário para a construção de uma casa (neste caso, da reconstrução da "casa dos tugas"!): o FMI/FEEF (insisto nesta dupla designação, não vá o Professor Aníbal ler este artigo e ficar zangado) vai libertando o dinheiro em várias fases. Uma primeira fase dá dinheiro para construir das fundações até à primeira "placa" da casa. Nesta fase, lá vem o avaliador do FMI/FEEF verificar a obra e, sim senhor, liberta mais dinheiro para a construção até à segunda "placa", momento em que volta o senhor dos euros verificar a obra e dizer, sim senhor, tomem lá dinheiro para terminar a barraca. E tudo seria simples, o banco empresta dinheiro que paga ao empreiteiro e o credor paga ao banco em suaves prestações até à véspera do seu funeral.

O problema nesta equação é, precisamente o empreiteiro ou seja o sujeito a quem nós entregamos o dinheiro para as obras. No caso em análise esse empreiteiro é o Sr. Engº José Sócrates. Logo à partida, há fortes suspeitas que o senhor se tenha indevidamente apropriado do título de Engº e logo, parece evidente que não deve ser muito competente neste negócio da construção de imóveis. E depois, os imóveis que o senhor projectou numa aldeia qualquer lá no norte também não abonam muito a favor da criatividade e eficácia do senhor. Mas nós, ao bom estilo português lá nos deixámos embalar no discurso meloso e na imagem de vitalidade e mudança e, pimba!, entrega-mos-lhe as rédeas do nosso projecto.

O fulaninho afinal não era empreiteiro nenhum e entrou o no esquema da distribuição do dinheiro por vários sub-empreiteiros em quem confiava. Falhou prazos, ultrapassou orçamentos, utilizou materiais do chinês e deixou a obra por acabar e o projecto finou-se. Culpou os sub-empreiteiros, claro! Ele foi só responsável pelo cimento e pilares e não pode ser responsável se os tipos da confragem falharam, se as loiças do WC não apareceram ou se a cozinha tem as portas empenadas! Nós ficámos agarrados a nada e a Banca mandou-nos à fava, fechou a torneira dos euros, subiu os juros do empréstimo por causa do nosso imcumprimento e certificou-se que mais ninguém nos emprestava ou, se emprestarem que o façam com juros típicos de uma qualquer D. Branca.

Lá vem então o FMI/FEEF. Mas como a obra está a meio e está tudo encravado já não há outro empreiteiro que pegue na obra do senhor Sócrates (que até, muito humildemente, se demitiu do cargo de empreiteiro mas sem antes garantir que vai concorrer ao cargo novamente) o dinheiro vai ser entregue ao mesmo empreiteiro que queimou todo o dinheiro, que falhou prazos, que estoirou orçamentos! Porra. Parece que há aí um novo empreiteiro que se prepara para assumir a obra, um tal de Sr. Passos-Coelho mas que também não deve ser muito bom porque diz que o seu trabalho nos últimos anos tem sido mais atrás da secretária, a fazer projectos e assim, e não percebe nada de construção.

O problema, no meio disto tudo, é dos empreiteiros. É isso e quando aparecerem os senhores do Cobrador do Fraque para reaver o seu investimento. Com juros.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Montanha-Russa de emoções.

Quando inicialmente coloquei a hipótese de sair do país, passaram-se dias de angustias, dúvidas, receios de estar a pensar nas coisas de um ângulo errado, de não estar a pesar todos os factores, da estratégia ser fraca. Depois de tomar, definitivamente essa decisão nada mais me poderia mudar de ideias. Durante a troca de correspondência com o Hospital para a minha candidatura nada abalou a minha fé que seria contratado. Mas assim que pus pé em solo suíço foi assolado por dúvidas e anseios. Que não pertenço ali, que talvez não seja o melhor passo para o futuro dos miúdos, que a cidade não me acolhe como me acolhe Lisboa. No momento em que entei no Hospital tive a firme certeza que estava no sítio onde sempre deveria ter estado.

Ontem recebi os documentos a preencher para a redacção do contrato bem como a lista de documentos que lhes devo enviar. É a concretização inequívoca de um desejo, a conquista do projecto sonhado. E eis-me aqui, preenchendo formulários e questionários, fazendo contas a ordenados recebidos, impostos e despesas, procurando casa na Internet e, ainda assim preso entre um sentimento de alegria, concretização e antecipação da saída e um outro sentimento indefinível, pequeno mas presente que me aperta o peito e que tento conscientemente afastar de mim...


Na verdade, este processo não é para fracos de espírito.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Acontecimento de uma vida...

... este campeonato de futebol! Por uma vez na vida apenas se consegue ver um Clube aviar 5 golos sem resposta ao seu maior rival! E mais raro ainda é ver um Clube fechar as contas do Título em casa desse mesmo rival, na volta do Campeonato. Eu sou Portista porque tinha de ser, está escrito no ADN da nossa família. mas também o podia ser por escolha óbvia. Afinal tenho 32 anos e nesse mesmo período o FC Porto venceu 19 (!!) campeonatos. "Ah e tal, o Pinto da Costa e os árbitros e a fruta..." os argumentos dos aziados, ainda com a nossa superioridade entalada num lugar escuro e estreito, não colam: internacionalmente somos o melhor Clube português com 2 Ligas dos Campeões, 1 Taça Uefa, 1 Taça Intercontinental, 1 Supertaça Europeia e um dos clubes europeus com mais presenças na fase de grupos da Champions. Mas só isso não chega, não num pais com 6 milhões de benfiquistas e com uma imprensa que faz capas com declarações idiotas dos vários treinadores vermelhos e relega para um canto os feitos europeus do meu clube.

Mas nós somos O FC Porto, o melhor clube nacional, o mais organizado, o mais competitivo e hoje, hoje não há como desviar as atenções do que é evidente. O FC Porto veio a Lisboa demonstrar o seu poder, em casa do benfica. O benfica super-equipa, campeão antecipado, antecipado vencedor da Liga dos Campeões, o imbatível, o intransponível, o "ninguém pára o benfica". Se o Porto tivesse sido campeão noutro estádio qualquer estou certo que a primeira página de "A Bola" e "Record", traria a fronha do Jesus afirmando uma qualquer alarvidade sobre a superioridade do benfica. Mas, azar do caralho! O benfica foi atropelado no seu estádio! Levou um banho de bola como na primeira volta, podiam ter levado mais 2 ou 3, não fosse o Falcao estar desinspirado e perderam. E, vergonha suprema, entregaram as faixas ao seu maior rival no seu estádio! Nunca esquecerei esse momento! É nestes momentos que se os Grandes se agigantam. No ano passado a situação era a inversa. O benfica poderia ter sido campeão no Dragão. Não foi.

Vi o jogo no café da esquina da minha rua. Tenho quase a certeza que era o único Portista na sala. E que gozo meu deu ver os semblantes cada vez mais carregados perante a evidente superioridade do Porto. Que gozo meu deu os disparates verbalizados por aquela gentinha, esmagada pela antecipação da humilhação que os esperava no final do jogo. Limitei-me a sorrir para dentro, contive os meus festejos, não queria ferir orgulhos e havia muitos ânimos exaltados. Quando se apagaram as luzes do aviário soltei um "palhaços" num murmúrio demasiado alto que foi ouvido na mesa ao lado que vociferou contra mim.

Mas esse apagão foi muito mais que uma vergonha, do que uma atitude que todo o mundo hoje já viu e já comentou, que toda a Europa condena. Foi a metáfora daquilo que aconteceu ao benfica que foi apagado pelo FC Porto ao longo da época e naquele jogo em particular. Foi talvez o prenúncio das trevas (obrigado pela analogia ao Pinto da Costa) que se vão abater naquele estádio até ao final da época e, quem sabe...

Mas podem apagar as luzes de todos os estádios porque o brilho do azul-e-branco é sempre mais forte!!!


POOOOOOOOORTOOOO!!!

quinta-feira, 31 de março de 2011

A inevitável comparação.

Correndo o risco de parecer estar a "cuspir no prato" a verdade é que as condições que encontrei no hospital onde irei trabalhar, em Lausanne, estão a anos-luz da realidade portuguesa de qualquer hospital, público ou privado. Em infra-estruturas, equipamento e quantidade de pessoal. Se já estava motivado antes de conhecer o sítio, hoje estou ainda mais motivado e ansioso por começar a trabalhar nessa nova realidade. De maneira que, de uma forma que me parece legítima até porque já se vê a porta aberta par um novo futuro, não foi propriamente com a maior das vontades que regressei ao trabalho em Portugal, nas condições e com os meios que são conhecidos.

E eis que hoje, logo no meu primeiro dia de regresso ao trabalho nas urgências recebo a visita de uma "auditoria" por parte de alguns membros da "Comissão de Controlo de Infecção e Gestão de Riscos". Não haveria nada de estranho não fosse o facto de me ter encontrado perante 3 senhoras (enfermeira, técnica "qualquer-coisa" ambiental, e uma engenheira qualquer) que me massacraram a molécula cerebral com a distribuição dos sacos do lixo por cores: preto para lixo urbano, branco para produtos contaminados e vermelho para resíduos orgânicos contaminados. As senhoras passaram o tempo a vasculhar o lixo! Literalmente! "Aqui neste saco branco está um (UM!!) papel de limpar as mãos que devia estar no preto. Neste contentor de agulhar está uma lanceta para glicémia que devia estar no saco branco. Este caixote branco ao pé da torneira devia estar perto" numa atitude mais punitiva que pedagógica. Estes "técnicos do lixo" como eu lhes chamo estão preocupados com pormenores, com um aspecto que todos os técnicos estão carecas de saber. Afinal não é nada mais nada menos que separação de lixo! Mas as críticas surgem sem ter em conta o ambiente em que são feitas, com a inadequação do espaço de trabalho, com a falta de material, recursos ultrapassados e falta de pessoal.

Na verdade, esta atitude sempre me incomodou mas sempre a encarei com um encolher de ombros. Neste momento, depois de ter tido um vislumbre de uma outra galáxia de trabalho, estas coisas vão custar a engolir. Afinal, quem é que quer comer delícias-de-mar quando já se provou lagosta da boa? Vão ser longos dias de trabalho a partir de agora...

quarta-feira, 30 de março de 2011

Ipsis Verbis.

Não sou um tipo particularmente adepto do vernáculo mas admito que tenho os meus momentos putaquepariu. Aliás, esta expressão "putaquepariu" é mesmo a que mais vezes sai disparada pela minha boca antes mesmo que tenha tempo de a travar. Asseguro-vos que foram as agruras da vida que me ensinaram expressões tão pouco elegantes porque, aos meus pais, nunca os ouvi largar semelhantes impropérios na minha presença. Ora acontece que o Gabriel está na "fase esponja" aquela em que é capaz de absorver e debitar ipsis verbis tudo aquilo que ouve os pais afirmar. E tem tendência a preferir as coisas mais giras e gritá-las nas situações mais adequadas, ou seja quando tem público (leia-se amigos, visitas e nos corredores dos supermercados). Assim, optei por libertar as minhas frustrações no trânsito, nas filas do supermercado e a ver a bola com adaptações, digamos "infantis" da linguagem mais brejeira dos adultos. E agradeci a todos os santinhos quando ele, a brincar no parque, caiu e gritou... FÓNIX! FRUTA QUE FLORIU!!!