Eutanásia. Morte Assistida. Sim, chamemos-lhe morte assistida porque é disso que se trata. Na minha opinião, o direito à morte com dignidade é tão inegável como o direito à vida com dignidade. E parece-me que este, como outros assuntos está rodeado de penumbras religiosas e, pior ainda políticas. Veja-se o caso (mais um) da mulher italiana a quem (por fim!) foi dada a oportunidade de descansar. Descansar, repousar, deixar de sofrer, quem de entre nós ficaria feliz se lhe negassem o direito a estas três coisinhas simples? Então porquê nega-lo a quem não se pode defender? Porque insistir no conceito de "vida" clássico e carregado de estéreotipos de influências religiosas? O que é a vida? Certamente não é vida ficar numa cama durante décadas, sendo alimentada por uma sonda (provavelmente colocada cirurgicamente através do abdómen até ao estômago), ligada a um ventilador através de outro tubo, desta vez através de um orifício na garganta, com uma algália, catéteres venosos e centrais, cuja existência se resume a ser mudada de posição a cada duas horas e cuja interacção social está limitada a escutar as conversas entre médicos, enfermeiros e outros, inconfidências acerca de uns, maledicências acerca de outros e, talvez até, uma ou outra conversa sobre o doente, invariavelmente no tom de "coitadinha, mais valia deus levá-la" ou "que porcaria de vida esta. Mais valia morrer de uma vez por todas!", já para não falar de outras em tom mais jocoso que o tema e o tom deste texto não permitem. Mas esta é a minha opinião, fundada em anos de convivência com casos deste tipo e, provavelmente, muito tendenciosa.
Contudo, que dizer do espanhol que há uns anos bebeu uma solução com cianeto? E do jovem jogador de rugby britânico que pediu aos pais que o matassem, após ter ficado tetraplégico? Falamos aqui de 2 pessoas conscientes, na plena posse de todas as suas capacidades cognitivas e que tomaram esta decisão após uma aturada reflexão? Quem somos nós para lhes negar isso? Com que direito ou regras morais? Podem dizer-me que também não somos nós a quem cabe executar as acções que levam à sua morte mas. se não somos nós, profissionais de saúde diferenciados e especializados, então quem? Quem? Chega de hipocrisias! A morte é uma etapa da vida, a última é certo, e como tal devemos ser tão profissionais face a ela como somos perante as outras situações da vida. Como? Com critérios clínicos bem definidos, com o método clínico bem aplicado e com um princípio fundamental no tratamento dos doentes: o princípio da não-maleficência, que preconiza que qualquer acto terapêutico não pode ser vazio de objectivo e, acima de tudo, entre não fazer nada ou fazer algo que em nada vai adiantar no tratamento do doente e lhe vai causar dor ou sofrimento, mais vale nada fazer. Face a isto, tirem as vossas conclusões.
Obviamente que não sou a favor da eutanásia discriminada. Cada caso é um caso e á assim que deve ser tratado. Agora, não sejam hipócritas. A igreja (sim, com "i" bem pequenino) com as suas palas nos olhos, agarrada ao conceito de vida redutor e à ideia de que só deus (qual deus? O deles?) pode pôr e dispôr da vida de alguém, com a sua arrogância do Saber supremo e indesmentível e a intolerância típica das mais fervorosas e fanáticas seitas. Por outro lado, os políticos, sempre na onda eleitoralista de tentar dizer as coisas de forma dúbia e com várias interpretações, sem nunca se comprometerem e a remeterem as decisões para os tribunais. Mas o que é que os tribunais têm a ver com tudo isto??? Porque é que a decisão de um juiz vale mais do que a de um médico? E acima de tudo, porque tem que ser o juiz a dar a aval para que o médico tome uma decisão? Depois vê-se a merda que fazem!!
Caso não saibam, a senhora italiana morreu porque pararam de a alimentar!! Isso é matar à fome. Perdoem a franqueza mas não vejo outro nome para isso. Os condenados à morte tem uma morte mais digna: em primeiro lugar uma droga deixa-os sedados e anestesiados, a seguir um outro fármaco suspende a respiração e um terceiro faz o coração parar de bater. Entre isto e estarem sem comer até definharem, escolham (atenção que sou contra a pena de morte). Não era mais fácil, mais humano proporcionar este tipo de conforto a alguém? Quem os garante que aquela pessoa, em coma, não sente? Está sedada, anestesiada, não tem controlo sobre o seu corpo? Pois não. Mas estará inconsciente ou sentir-se-á presa naquele corpo? Será que essa pessoa não tenta gritar com todas as suas forças que está ali e que não quer continuar presa? Será? Alguém provou o contrário? Estarei a dramatizar, sim, talvez sim. Mas eu proponho a quem é totalmente contra a morte assistida o seguinte quadro. Imaginem-se numa cama estranha de um hospital, estão sob sedação e não são capazes de mover um músculo, respiram mas são incapazes de comunicar, sabem que a situação é irreversível e que estarão assim o resto das vossas vidas. Tão simples quanto isso. Ou então, se são pouco imaginativos, tentem ir a uma unidade de cuidados intensivos e olhem, vejam os doentes ventilados sem hipóteses de recuperação e coloquem-se naquela situação.
Tanto que escrevi e tão pouco que disse, tanto que queria reflectir em palavras e não sou capaz. Isto mexe comigo, isso acho que ficou claro.