Ela veio de outra escola. Tímida, reservada, discreta. Vestia roupas largas e simples que se misturavam no turbilhão de alunos a percorrer os corredores largos daquele liceu centenário e austero. Percorria esses corredores como se se sentisse estranha a toda aquela realidade. Cabeça baixa, os cabelos negros cobriam-lhe a face como se fossem cúmplices dela numa missão furtiva. O seu sorriso abria-se apenas quando se encontrava no seio do seu grupo de amigos. Um grupo pequeno, seleccionado. Todos eles também simples. Embora alguns fossem alunos daquela escola há tanto tempo como ele, não reconhecia nenhuma daquelas faces. Na verdade, ela era o tipo de rapariga que sempre lhe passara completamente despercebida.
Num dos primeiros dias de aulas daquele novo ano lectivo, ele dirigia-se para a sala e, subitamente reparou naquela rapariga. O seu sorriso iluminava aquele corredor. Nunca mais conseguiu apagar da sua mente a imagem daquela miúda, feliz, dentes alvos, alinhados, as rugas que se formavam no nariz ao sorrir, os olhos semi-cerrados pela felicidade nele contida, a postura leve e descontraída. Foi puxado pelos amigos de sempre, pelas amigas do ano anterior, pelo grupo ruidoso e extravagante a que pertencia e perdeu-a de vista. Sem a esquecer.
Na primeira oportunidade que teve, falou com ela. Ela estava sentada no passeio do grande pátio interior do liceu, rindo com um amigo. Ele aproximou-se e disse, confiante: "Tens um sorriso muito bonito! Fazes lembrar o Joker do Jack Nicholson... sabes, do Batman?" (esse filme tinha estreado há pouco tempo.). Arrependeu-se das suas palavras no momento em que acabou de as dizer e sentiu-se ainda pior quando ela conteve (mal!) uma gargalhada! Forçou um sorriso e retirou-se sentindo-se, contudo desafiado por aquela rapariga.
Os dias passaram, eles seguiram a vida em paralelo. Ela, simples, calada nas aulas, falava apenas quando solicitada, atitude séria e concentrada, tirava apontamentos, tentava aprender. Ele dominando aquele território que era dele, falando nas aulas, fazendo piadas, perturbando as aulas com os professores que conhecia melhor, respondendo ás perguntas confiante (mesmo quando estava errado), copiando os apontamentos dos alunos mais certinhos. Parte da turma adorava-o, a outra detestava-o. Os do segundo grupo sentiam-se intimidados pela sua confiança, pela forma malandra como (quase) sempre se safava dos sarilhos, pela forma como alguns professores o tratavam. Sendo divertido e galhofeiro, não deixava de ser um dos melhores alunos da turma e um dos mais dinamizadores do grupo. Mas ela não se sentia intimidada.
Numa das vezes em que ele e um dos seus amigos mais chegados faziam piadinhas negras acerca de um colega mais fraco, ela falou sem ser solicitada "És mesmo anormal!! Vê se te calas, arrogantezinho, e deixas ouvir a aula!" Ele colocou o seu porte mais altivo e arrogante e disse apenas "Olha, olha..." enquanto desejava um buraco para se enfiar. A vingança servir-se-á fria.
Ela caminhava nas ruas da cidade em direcção ao autocarro que a levaria a casa. Ele viu-a, cabeça baixa como sempre, os livros junto ao peito como se de tesouros se tratassem. Correu para ela, abriu um sorriso "Olá, sou o Miguel, somos da mesma turma!". Ela olhou-o, sem parar, e respondeu "E?!?!!". Era a terceira vez que o afastava.
8 comentários:
Que bonito. :) Gosto de amores assim, à primeira vista.
Mas realmente ssa tua primeira frase nao correu nada bem. O Joker nao é propriamente bonito. :P
Sanxeri, não se pode chamar amor à primeira vista uma vez que ela não "ia à bola" comigo e eu olhava-a mais como um desafio!!!
Mas a história continua...
Miguel se fosses meu colega de escola estarias definitivamente no grupo dos Irritantes a puxar para o convencido... Como é que a M caiu na tua cantiga é que eu estou mesmo muito curiosa para descobrir. Por isso não demores muito tempo a concluir a história :)
Ana... agora feriste os meus sentimentos... chuif.
Também não era assim tanto! E tinha 16 aninhos... não sejas mázinha comigo!
;)
Miguel estou apenas a colocar-me no papel da M com 16 anos, tive muitos rapazes como tu na minha turma e era esse o rótulo que levavam pelas raparigas. Desculpa, longe de mim querer ferir os teus sentimentos, mas seria exactamente isso que pensaria...
E depois tens o sorriso igual ao do Joker?????? O gajo não tinha ficado desfigurado com ácido? Coitadinho essa saiu-te mesmo ao lado e por isso, apenas por isso, tens a minha solidariedade. Estou a torcer por ti. Só que neste caso já sei o final da história ;)
Oki... Rotulado de "Irritante e Convencido", era assim que na minha turma (as raparigas) defeniam os rapazes com esse porte. E aquela frase da M "E?!?!!" deixou-me com um sorriso nos lábios. Eu não daria melhor resposta.
Menino Miguel, estou aqui em sinal de protesto: mas afinal que raio de suspense é este? Vamos lá a contar o resto da história que quero ir de mini-férias de barriga regalada! LOL
(Nada me dá mais pica que uma das minhas a meter o seu gajo no lugar! LOL)
Belas tampas que ela te deu :) ahahahahaha Podes continuar que estou a adorar :)
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