terça-feira, 3 de março de 2009

A minha 1ª vez.

As primeiras vezes nunca são boas. São sempre rodeadas de algum mistério, curiosidade, receio e desejo, tudo misturado numa sopa emocional agridoce. Tenho já alguma experiência, alguns anos de vivências no ambiente hospitalar e em Urgências. O ambiente é sempre adverso, de alguma forma somos o rosto de tudo o que está mal com o SNS, as pessoas estão doentes, maçadas, irritadas, revoltadas e, como eu já escrevi por aqui, até têm alguma razão.

Ontem, contudo, tive a minha primeira reclamação escrita de sempre!!! Ei-la!!!


"Venho por este meio reclamar que enfermeiro Miguel C. é o mal educado deve pensar que vimos cá por gosto e não com dor. Peço que tomem uma iniciativa como eu á mais doentes a queixarem-se dele. é o ignorante obrigado.

Entrei com dores e ele mandou-me embora"


Claro que fiquei extremamente afectado por este texto, que fere de morte todo o meu orgulho e amor-próprio e toda a imagem que tinha de mim próprio. Nem dormi na noite passada, ruminando mentalmente nas razões de tanta indignação, tão eloquentemente descrita acima.

Já repararam no texto, a inspiração saramaguiana visível na quase ausência de pontuação? E a rudeza no discurso, directo e sem floreados estilísticos, espelhando a mágoa e revolta do queixoso? A última frase é devastadoramente simples revelando a tragédia da situação: "mandou-me embora." A ênfase dada em "é O mal-educado", "é O ignorante" remete para algo maior que eu próprio. Eu não sou um mal-educado ignorante. Não, eu sou O mal-educado ignorante, o exemplo máximo destas duas características.

Hoje, após aturada reflexão nocturna devo dizer que o queixoso teve razão. Afinal foi acometido de um torcicolo fulminante com perigo imediato para a sua vida. Chegando ao serviço que o devia atender primorosamente (uma vez que tudo o que lhe está associado, incluindo o meu ordenado,é pago com o dinheiro dos impostos e com a taxa moderadora que acabou de pagar) depara-se com um cretino que o remete para a sala de espera, onde se encontram cerca de 30 pessoas que não se encontram em tão emergente situação, dizendo-lhe que espere pela sua vez??!! Mas que país é este, onde situações emergentes e eminentemente mortais como um torcicolo fulminante, são remetidas para a sala de espera? Não há direito. Puno-me, arrependido por ter sido levado pelo laxismo e pela preguiça. Afinal só tinha cerca de 10 pessoas a aguardar os respectivos tratamentos, poderia bem ter largado tudo para fazer a minha função principal: salvar uma vida das garras do malfadado torcicolo. Por isso eu peço... perdão.

Como pequena oferenda de paz ao queixoso, eu deixo aqui um pequeno vídeo que será, concerteza do agrado do doente e toda a sua família (peço perdão se, pelo facto de lhes ter causado ansiedade, eles estiverem roucos pelos gritos que deram aos meus ouvidos) pois este é um grupo musical representante dessa comunidade.

Aqui fica então:



Mais uma vez, peço desculpa pelo incómodo causado.

16 comentários:

Anónimo disse...

Xiiii... tu tem cuidado que os lelos ainda te fazem uma espera. Levas uma coça que é para não seres O mal educado e O ignorante de serviço. LOL

MA-S disse...

Bambo-leeeeeoooooooo,
Bambo-leeeeeeaaaaaaaaaaaa,...

Joanissima disse...

Vês??
Bem te podia ter saído uma das manas Ketchup ou das Azucar Moreno... tss tss... : ))

Mas parabens... uma primeira vez é sempre uma primeira vez!!!

Ana C. disse...

A tua primeira vez ter sido com alguém dessa etnia tão suave e melodiosa é que foi um bocadinho decepcionante. Esperava mais de ti homem.
És mesmo O Ignorante!
(mais um texto de fazer uma rocha rir)

Miguel disse...

Tens razão Ana, uma reclamação vinda daqueles lados não é muito difícil de conseguir!! Será que o Dalai Lama é nosso utente? Isso é que era um desafio, tirar o homem do sério e receber uma reclamação digna desse nome!

Miguel disse...

Socas, o teu comentário é muito pertinente, na medida em que é precisamente por isso que eles fazem o que lhes apetece. Mas será que ainda ninguém se apercebeu que NÓS SOMOS MAIS QUE ELES???

S* disse...

Gente sensível, é o que é. Adorei!!
Alguma coisa lhe deves ter feito. :P

Anónimo disse...

Se é mal educado ou não, não sei, mas pelo post dá para ter uma ideia. Pelo que explica da situação que motivou a queixa, sem dúvida que o queixoso não tem a mínima razão. A estupidez é uma característica gritante da espécie humana, e esse senhor tem, com certeza, a sua quota parte.
Não querendo falar do facto do queixoso ser cigano, a verdade é que sim, regra geral estes não sabem respeitar os outros e manifestam a sua falta de respeito das formas mais estúpidas possíveis. Mas não posso deixar de considerar que o sr. enfermeiro deveria ter um mínimo de boa formação para saber lidar com as críticas, mesmo que infundadas como neste caso, duma forma mais adulta e, sobretudo, profissional. Ao fotografar a queixa e gozar com o quase analfabetismo do utente tornou-se tão ou mais estúpido do que ele.

Ana A.

Miguel disse...

Cara Ana A., obrigado por manifestar a sua opinião de forma tão objectiva. Afinal, os seus argumentos são bastante sólidos. Contudo, não posso deixar de me sentir incomodado com algumas das suas insinuações nomeadamente de má formação profissional e pessoal. Assim, julgo estar no direito de escrever um texto tendo como base o seu (construtivo) comentário. Obrigado pela visita e volte sempre!

Anónimo disse...

Meu Amor,tu melhor do que ninguém sabes o quanto te chateio (e nos chateamos) quando generalizas todas as situações más que te acontecem e atribuis as culpas e rótulos a determinadas comunidades. Eu sei que é uma forma de desabafo e também sei que serias incapaz de cometer qualquer acto que fosse contra os direitos humanos que nos assistem (ou assim deviam). Mas hoje não posso deixar de te dizer: tens todo o direito de ficares indignado com o que se passou, és um excelente profissional,uma pessoa maravilhosa e extremamente tolerante porque, apesar de trabalhares para um sistema de saúde que não funciona, atenderes maioritariamente pessoas que não sabem nem conhecem a palavra civismo, nunca tiveste um comportamento agressivo ( e é isso que te incomoda,o facto de não conseguires sê-lo pois ajudar-te-ia a libertares muitas tensões acumuladas).E deixa que te diga também:não és estúpido, estúpido é aquele que faz juizos de valores só porque sim, só porque são fundamentalistas, ignorantes ou, meramente "politicamente correctos". Talvez nem nunca tenham sido constantemente ameaçados por alguém que não sabe respeitar, perceber que existem pessoas que estão verdadeiramente doentes e teêm prioridade no tratamento,mas não se coibem de comentar o que de ti é admirável: mostrares que há sempre um lado humoristico em todas as situações que porventura possam ser consideradas desagradáveis e quem sabe, criminosas? Sim, porque se fosse noutro país, talvez essas pessoas nem sequer seriam atendidas, seriam escorraçadas e até presas por estarem a impedir um profissional de saúde de fazer o seu trabalho e a por a sua vida em risco. Por isso, meu amor,manda à merda, todas essas pessoas que não sabem o que dizem!A tua sempre mulher e amiga, M.

Sílvia disse...

Pronto e eu venho ao teu blog e rio-me rio-me... Ok também posso ir ao hospital cada vez que tiver um torcicolo só para entupir as urgências com o meu gravissimo caso?
Tipo até percebo, mas diga-se que ninguém ia morrer por causa de um torcicolo... Mas isso sou eu a falar...

bj***

Miguel disse...

Eh lá!! Ponham-se a pau que a minha mulher apareceu para me defender!! Também te amo querida...

Anónimo disse...

bom, um texto hilariante que retrata uma situação não tão incomum quanto se julga, que despoleta tantas reacções de acusação/defesa... muito muito bom!

Queria contribuir também com o testemunho de um caso em que um individuo do sexo masculino, da mesma etnia curiosamente, sai das urgencias de um hospital central, aos berros e a esbracejar "tirarem-me sangue?? para me tirarem sangue têm de me pagar!!!", a praguejar insultos contra o enfermeiro (que ficou de tal maneira alterado, mas calado, que ao longo do seu turno poucas vezes foi visto, excepto quando compenetrado no seu trabalho)e respectiva familia, depois de meia hora a azucrinar a sala das urgencias de cirurgia e seus ocupantes (médicos, enfermeiros, estudantes) com direito a ameaças e palavrões que nem o segurança conseguiu fazer calar.

Cumprimentos, sr enfermeiro :)

DeepGirl disse...

Sim, porque aquele "à" revela muito mais "conhecimento" por parte de quem o escreveu.

Esta gente não se toca, mesmo. Tino... Muito tino. Haja paciência!

Banita disse...

Deixa-me que te diga, Miguel C. que não concordo de todo com a Ana A.! Todos nós já tivemos ou presenciámos situações com px da etnia cigana que são absolutamente indiscritíveis, pois por regra, esta etnia caracteriza-se por se expressarem na sua maioria das vezes, de uma forma pouco ortodoxa, para dizer o mínimo...
Se não vejamos: é às ameaças, palavrões ou a apregoar que "a roupinha da moda é a 5 éuros!! Aproveitem hojem que amanhã já não há!!" berrado numa voz estridente que entra nos tímpanos e faz ricochete no ouvido médio, parando apenas de ressoar o ouvido passados alguns metros mais à frente para os nossos ouvidos serem de novo violados desta forma atroz.
Quanto ao facto de "gozares com o quase analfabetismo" do excelentíssimo Sr. utente... quem não sabe escrever, não o devia fazer em público. É a minha convicção! E esse Sr. devia ter VERGONHA não de ser analfabeto, mas sim, de escrever mentiras publicamente!
Parabéns pelo texto e gostei de ver as garras da M. a defenderem o seu amor! Beijos aos 2.

Bypassone disse...

Não trabalho nem nunca trabalhei no "sector da saúde", mas isso não impede que tenha já alguma experiência no contacto com esses senhores, que como já foi aqui -muito bem- dito, "têm a mania" que só eles é que existem, só eles é que importam e que os demais só existimos para servi-los. Como trabalhava numa loja de electrodomésticos e a televisão que o Sr. Cigano tinha comprado avariou-se poucas semanas antes de acabar a garantia (coisa mais comum do que se pensa), entrou-me pela loja -sempre acompanhado da sua "fiel familia"- a ameaçar e a gritar porque "eu tinha que ir a casa dele buscar a televisão, porque a carrinha dele tinha mais que fazer". Quando o volume dos gritos passou o socialmente aceitável, dei 2 murros no balcão, gritei mais alto que ele, agarrei-o por um braço à frente da familia toda e meti-o na rua, dizendo que fosse descarregar ao bar em frente e voltasse quando estivesse mais calmo. Saíram todos, mas ainda tive que ouvir do meu colega, quando chegou, que "não devias ter feito isso, eles são muitos e fazem-te a folha um dia destes". Nunca me aconteceu nada, a não ser no dia seguinte ter vindo a esposa do tal senhor com um dos filhos (só eles 2) trazer a TV e pedir desculpas pelo comportamento do marido.
Só é pena que no SNS não se possa actuar assim. Seja como for, há uma coisa que se pode sempre fazer: limitar o n° de acompanhantes nas salas de espera - 1 por paciente....