segunda-feira, 2 de março de 2009

Guerra dos Sexos.

(Mais) um óptimo texto da Ana C. colocou-me a reflectir sobre esta história da transexualidade. Afinal, quem são estas pessoas, o que se passa com elas? Do ponto de vista puramente clínico, são pessoas que objectivamente não se encaixam no género que o seu código genético lhes definiu. Porque, basicamente, existem mecanismos fisiológicos (normalmente hormonais) que não batem certo com o sexo com o qual nasceram. Estas pessoas são, por norma, emocionalmente frágeis. Basta imaginar (se é que isso é possível) o que é sentir-se preso num corpo que não queremos, sujeitos a regras sociais baseadas no género, onde homem e mulher têm um certo papel a cumprir e ter a constante vontade de passar para "o outro lado".
Quero eu dizer com isto que as pessoas nestas condições não vêm, certamente, a vida com os mesmos olhos que o resto de nós. As regras não se aplicam a eles, não são compreendidos e são marginalizados, vivem como espectros deles mesmos. E, por isso, devem ser acompanhadas por profissionais capazes de reorganizar a sua constituição psíquica e emocional. E é precisamente aqui que está a grande falha em todo o processo.
A razão de a transexualidade (aliás, como a homossexualidade) ter tantos problemas em ser aceite socialmente tem a sua raiz, sem dúvida, numa formação moral baseada em valores religiosos deturpados. Contudo, existe um certo "freak show", uma espécie de circo moderno mas, em vez da Mulher com Barba, do Homem Elefante, do Gigante ou dos Anões (todas situações relacionadas com desequilíbrios fisiológicos), temos homens com vagina e mulheres com pénis e toda uma série de sub-espécies daqui resultantes. Ainda por cima associados ao mundo da pornografia. Quem de nós já não viu vídeos porno com algumas destas personagens. Existe aliás um certo sentimento de chacota ao enviar a um amigo um vídeo de uma voluptuosa mulher em poses sensuais que, apenas no final do vídeo revela que possui um vigoroso e erecto falo em vez de uma vulva.
Há algum tempo, numa revista de um jornal "sério" (DN, penso) o tema de capa era a entrevista a um homem (mulher?), estrela e multi-milionário da pornografia norte-americana, cujo sucesso residia num único facto: a convivência de um aspecto 100% masculino (careca, uma "pêra" bem aparada, abdominais e peitorais atléticos, roupa e botas de "motard") com uma vulva/vagina muito bem definida. Afirmava o Sr. (Sra.?) que era tão ou mais homem do que qualquer outra pessoa do sexo masculino e que, o facto de não ter um pénis não alterava isso em nenhum aspecto. Por outro lado, conheci um homem que mudou de sexo. Tudo nele apontava para "mulher" excepto um pequeno pormenor: nunca abdicou do pénis. Compreende-se que, após anos de identificação com um género, de formatação social a um papel de homem/mulher exista algum último receio de abandonar aquele aspecto em particular, aquele pormenor que o liga a uma vida, ao conhecido, em abandonar aquela persona e assumir frontalmente um outro corpo, uma outra identidade. Obviamente que há imensos casos em que tudo corre bem e a pessoa anseia por cortar com a sua velha vida e abraçar uma outra, completamente nova, mas os casos em que tudo corre bem não nos colocam problemas.
Face a isto, a esta indefinição, esta incerteza, estará nas nossas competências impedir que a pessoa fique numa "zona cinzenta", onde possui caracteres masculinos e femininos simultaneamente? Será um atentado à liberdade pessoal de cada um obrigar a pessoa a realizar uma mudança a 100%. Do ponto de vista médico, será ético deixar o doente decidir o que fica e que vai? Poder-se-á reger esta mudança e chegar a uma conclusão de "tudo ou nada"? No caso descrito no texto da Ana, não se poderia ter deixado todo o aparelho reprodutor feminino numa pessoa que se afirma homem e, simultâneamente, tomar medidas para impedir a fertilidade dessa pessoa? Onde cabem estas pessoas que, objectivamente podem ser homens ou mulheres dependendo do ponto de vista? Não está em causa aquilo que cada um faz com o seu corpo, mas sim a definição clara do género e da capacidade ou não de carregar e fazer nascer uma criança e isso, por definição, só é possível por uma Mulher! E uma mulher que decide que quer ser homem mas que mantém o aparelho reprodutor não é uma Mulher.
Em resumo colocam-se duas grandes questões: não deveriam estas pessoas ser (bem) acompanhadas do posto de vista psicológico e emocional antes, durante e depois do processo de mudança? Poderão estabelecer-se mecanismos de controle, ao dispor dos profissionais, que permitam evitar situações consideradas "anormais"?.
Apesar de tanta consideração, sinto que há muito mais a dizer acerca do tema. Mas uma certeza eu tenho: não sei nada, não tenho nenhuma certeza, as repostas ás minhas perguntas podem ser simultaneamente "sim" e "não".

5 comentários:

S* disse...

Já conheci um homem que queria mudar de sexo e entendia-o muito bem.

Um desvio, um erro, como ele gostava de dizer. Nasceu mulher num corpo de homem e eu concordo, ele tinha tudo de mulher... menos o corpo.

Respeito. Respeito muito. :)

Ana C. disse...

As tuas perguntas são as minhas sem tirar, nem pôr. Esta matéria é muito sensível e ainda desconhecida na sua plenitude.
Acho que eles deverão ser livres de fazerem aquilo que desejarem, desde que não envolvam terceiros inocentes nesse estranho limbo. A questão da criança é que me deixou desconcertada, percebes? Que ele não se consiga definir a cem por cento é uma coisa, agora que envolva um bebé nesta sopa emocional, NÃO e isso digo com todas as letras.
A propósito, ele/ela está grávido pela segunda vez, fiz uma adenda ao post.
Parabéns pelo teu texto em jeito de reflexão.

R disse...

É que estas pessoas submetem-se a inúmeras operações para chegar a pertencer ao sexo com o qual se dizem identificados e depois vimos isto. Quanto aos adultos não me incomada nada, mas já não digo o mesmo em relação às crianças. Que confusão irá depois por aquelas cabecitas.Quem é a mãe, é a que as carregou no ventre nove meses? Mas parece que no casal esse é a figura masculina, o pai! Gostei do teu post. Bj

Banita disse...

Gostei muito do teu post! Será a descoberta do 3º sexo? Uma pessoa que tem a capacidade de ser homem e "transmutar-se" em mulher e vice versa? O que virá a seguir: um hermafrodita como o caracol cuja capacidade de se auto fecundar não deixa de me surpreender? Já agora: sabiam que os cavalos hermafroditas (quando há erros/desvios) chamam-se na gíria Rita - Macho? Quando descobri fiquei cheia de vergonha pois esse é o meu nome... agora já passou e até acho engraçado e invulgar.

Bypassone disse...

Além do tal homem/mulher que já está grávido/a pela 2a vez, agora apareceu outro, um espanhol. Isto vai lindo... Se querem saber a minha opinião (mesmo que não queiram, já devem ter adivinhado que vou dá-la na mesma), acho que a definição do género não deveria ser nem hormonal nem legal, mas sim a nível dos cromossomas... Tem XX é mulher, tem XY é homem, independentemente de como se sinta e das operações que fez. Ninguém o obriga a viver num corpo que não quer e tem todo o direito de mudá-lo, mas isso não deveria ser sinónimo de mudança do género...