Artur não sentia nada. Tinha a sensação de estar submerso, suspenso, fora de órbita. Os sons chegavam-lhe difusos e o olhar desfocado. " Artur? Artur... vai... vai... ARTUR VAI!!!!" Alice resgatara-o daquele transe com um empurrão e um grito. As lágrimas inundavam-lhe a face mas ela não chorava. Maria assustou-se com o berro da mãe e estava agora abraçada ao seu pescoço. "Alice... eu... não estava à espera..." balbuciou Artur. "Vai ver a tua mulher." Alice correu para dentro do prédio e desapareceu na penumbra.
"Como foi isto possível? Todos os exames apontavam para uma ausência de actividade cerebral... nunca tive esperança e agora isto? Porquê agora? Logo agora... E depois, tantos anos de imobilização corporal deixaram sequelas. Será que poderá andar? Será minimamente independente? E a função neurológica? Falará, expressar-se-á, comunicará? Oh, Maria, Maria...só espero que estejas bem... E o Daniel... preciso avisá-lo. Como foi isto possível..." Artur estava já no elevador e a sua mente continuava a construir e desconstruir cenários acerca daquele reencontro com Maria. A porta abre, ele estremece, entra e dirige-se ao quarto ignorando as expressões ansiosas, expectantes, alegres, desiludidas, surpreendidas dos seus colegas, que tinham cuidado de Maria todo aquele tempo e que esperavam agora assistir ao reencontro. Parou em frente à porta, respirou fundo, tentou recompor-se e entrou.
A luz fria e laranja do final de dia entrava pela janela, criando no quarto um ambiente de luz e sombras que fez Artur reparar que havia uma janela! Nunca tinha percebido isso! O negrume que o invadia sempre que ali entrava impedia-o de ver que havia luz por ali. Artur percebeu que estava aliviado. Aliviado da culpa da morte de Maria. Sim, Artur sempre a considerou morta. Morta porque a Maria, a sua Maria nunca poderia viver dentro daquele corpo. Agora que ela estava acordada as coisas mudavam e ele sentia-se mais leve. Levantou os olhos que teimavam em observar o chão do quarto e olhou para Maria. Estava sentada numa cadeira de rodas. Os olhos molhados postos no horizonte. Era, de alguma forma estranho, para Artur observá-la naquela posição. Os anos em que a viu deitada remodelaram a imagem que guardava dela e parecia-lhe agora impossível que ela estivesse assim. Estava muito magra, a face baça sem o brilho de outrora, o que era acentuado pelas sombras criadas pela luz que fugia do horizonte. O cabelo rapado acentuava aquelas orelhinhas pequenas e saídas que ela tanto detestava "Um dia faço uma plástica a estes abanicos que chamam orelhas!!" repetia sempre que tinha que apanhar o cabelo, mas Artur adorava aquele aspecto nela, pois dava sempre azo a uma boa gargalhada! A bata hospitalar permitia que se vissem as costas outrora firmes, definidas com pele brilhante e terminando numa covinha que sempre causava a Artur um arrepio e uma compulsão para a beijar exactamente naquele local, causando cócegas a Maria. Eram a parte do seu corpo que ele mais gostava, o que causava sempre alguma surpresa a Maria. Estas estavam agora marcadas pelos anos de imobilização no leito, com os ossos da coluna bem salientes e definidos e terminavam agora não na sensual covinha mas numa espécie de fina bainha de pele aparentemente esticada entre os ossos da bacia. As mãos eram o culminar de uns braços finos e cadavéricos, também elas envelhecidas e secas tremendo subtilmente. Artur não foi capaz de definir se aquele tremor seria uma sequela ou simplesmente a ansiedade que tomava conta dela.
Artur sentia-se genuinamente agradecido pela dádiva que representava este regresso de Maria mas receava que aquela mulher estivesse tão marcada pelos anos de sofrimento e solidão que enfrentara que não pudesse nunca voltar a ser a mesma Maria que o completava.
Avançou. Prostrou-se em frente a ela e encarou-a nos olhos. Os olhos fundos e molhados não revelavam nada. Nem alegria nem tristeza, nem calma nem revolta, estavam simplesmente vazios. Maria olhou-o e ele assustou-se. Aquela não era Maria... aproximou-se dela e afagou-lhe a face com as duas mãos, um gesto que ele sabia condicionar uma reacção por parte dela. Ela inclinava sempre a cabeça para se aninhar nas suas mãos. Nada. Artur aproximou-se lentamente e rodeou-a com os braços, puxou-a para si e abraçou-a sentindo aquele corpo magro tenso, contraído, como se lutasse contra uma vontade interior de se libertar. "Maria minha querida, estás bem? Por favor, fala comigo... eu sei que provavelmente não te reconheces mas... tu sabes, vais recuperar! Porque não me abraças Maria?" Artur sentia-se agora esmagado com a hipótese de Maria não lhe perdoar pelo acidente.
Até que Maria falou. Uma voz débil e alterada, sem sentimento, sem emoção, sem comoção "Quem és? Meu marido, meu irmão? Não sei quem és... não sei quem sou."
Esta agora! Maria consciente mas perfeitamente amnésica. Cada vez que escrevo mais uma parte deste verdadeiro drama, menos sei acerca do que poderá ser o futuro desta malta. Ana, diverte-te!
7 comentários:
Eu até já criei aqui um documentozinho no meu Ambiente de Trabalho para ir juntando as partes da história que apadrinhei tão orgulhosamente e BABADAAAAAAAAAA!
Pareço uma miúda de 2 anos, de língua de lado no canto direito da boca,a juntar as peças de um puzzle pela primeira vez, e com imenso empenho!
Bora, bora! Sempre a abrir! :)***
Seu sacana. AMNÉSICA? De que me serve uma mulher amnésica? Ora bolas, agora é que fiquei com a cabeça a ferver. Parabéns pela tua descrição, por momentos senti-me dentro daquele quarto de hospital.
Querida Ana. Tu queria-la acordada, mas não estabeleceste as condições! Afinal, não era novela se não houvesse um "twist" de vez em quando!! Tenho a certeza que vais arranjar maneira de me ver enrolado no teu enredo!!!
Lolada!
O feitiço virou-se contra a feiticeira! Ana, agora foi o Miguel que te entalou!
Não vou perder o seguimento da história! Continuem! Vá, Toca a escrever!!
Ui ui, isto está bonito, está! Vamos ver no que vai dar... :-)
Miguel, tu saíste cá um noveleiro, cuidado contigo! Parece-me que por esta altura já descobriste que quando não tiveres mais trabalho na área da Saúde, outra actividade profissional estará pronta para te abraçar. :-)
Socas, só faço isto porque é uma coisa partilhada, onde nunca sei como a história vai desenrolar-se! E é isso que é giro!!
Coitado do Artur, tenho pena dele.
Agora fica com uma morta em pé, e esquecidinha da vida.E a outra que estava a ver a vida dela a ficar com alguma piada, até já estava mais espevitada,fica na mão outra vez.Como é que vocês irão dar a volta a isto? Beijokas
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